Número é revelado pela pesquisa da Pwc, em parceria com a FDC, que aponta alto nível de resiliência dos gestores para encarar a crise, mas há lições de casa que precisam ser feitas no campo da sustentabilidade e digitalização das operações
A pandemia de Covid-19 provocou uma série de impactos e obrigou mudanças nas relações sociais e econômicas. Governos anunciaram medidas de distanciamento para conter a propagação do novo coronavírus, o que gerou reflexos no setor produtivo.
Companhias que planejavam a absorção das tendências ao longo dos anos – como a passagem do analógico para o digital, o fortalecimento do e-commerce, o avanço do ensino à distância e do home office - tiveram de se adequar às novas exigências em tempo recorde. Com as empresas familiares de pequeno e médio porte, a situação não foi diferente. O “tsunami” surgiu de repente, trazendo ondas de choque de todos os tipos.
No entanto, negócios que fazem parte dessa linhagem, voltado à tradição, preocupação com a longevidade e gestão, estão lidando melhor com o novo cenário produzido pela pandemia. Essa é a opinião do professor PhD em governança, Dalton Sardenberg, da Fundação Dom Cabral (FDC), da qual a JValério Gestão e Desenvolvimento é associada no Paraná, interior de São Paulo e Rondônia.
Com base em pesquisas realizadas pela FDC e a consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC), Sardenberg ressalta que as empresas familiares estão apresentando boa resiliência diante das tempestades econômicas com origem na Covid-19. O estudo contou com a participação de 2600 empresas familiares no mundo, entre elas, 282 são brasileiras. Dalton Sardenberg, inclusive, integrou a equipe que realizou a pesquisa aqui no Brasil.
“Foi muito interessante perceber que as empresas familiares brasileiras performaram melhor que a média global, segundo esse levantamento. O impacto no país foi menor em termos de perda de lucratividade: 39% no país contra 51% na média global”, afirma Sardenberg.
No entanto, esse planejamento se dá em um ambiente incerto e em rápida mudança, onde as perspectivas de curto e médio prazo para a maioria das empresas ainda são altamente imprevisíveis. O sucesso, sem dúvida, necessitará agilidade e flexibilidade.
As empresas familiares multigeracionais têm uma grande vantagem. Pela sua própria existência, elas demonstram capacidade de evoluir para atender às novas demandas, por vezes honrando o legado e, simultaneamente, mantendo os valores da família. Muitas empresas familiares de grande porte em funcionamento hão mais de um século já se reinventaram várias vezes.
Na visão de Clodoaldo de Oliveira, diretor executivo da JValério Gestão e Desenvolvimento, que atua diretamente na formação continuada dos gestores e têm contato com os executivos na sua rotina diária, também acredita no potencial das famílias empresárias diante da crise. Uma característica que conta a favor delas é a flexibilidade e capacidade de adaptação. “Nesse momento, os comandantes dos negócios precisam levar a gestão de riscos muito a sério e prever diferentes cenários. O planejamento se dá em um ambiente incerto e com mudanças rápidas, onde as perspectivas de curto e médio prazo para a maioria das empresas ainda são altamente imprevisíveis. E as famílias empresárias levam vantagem nesse quesito, porque pela própria natureza da sua existência, demonstram capacidade de evoluir para atender às novas demandas, sem deixar de honrar o legado e manter os valores do fundador, com quem têm um vínculo. É graças a essa capacidade de evoluir e se reinventar que vemos tantas empresas familiares funcionado a pleno vapor, há mais um século, atravessando as crises e prosperando”, ressalta Clodoaldo.
A pesquisa foi feita para saber as expectativas dos empreendedores com relação aos próximos dois anos e os impactos gerados nos negócios por causa da pandemia. “Nossas empresas familiares estão otimistas em relação à retomada do crescimento a curto prazo. O nível de confiança caiu apenas três pontos em comparação aos dois últimos anos. É salutar ver esse nível de engajamento”, destaca o professor.
Mas para consolidar todo esse otimismo, Sardenberg afirma que algumas lições de casa importantes precisam ser feitas pelas empresas familiares para encarar essa realidade de mudanças bruscas e frequentes.
“O que apareceu no levantamento é que o investimento em inovação, seja nas atividades atuais ou na busca de novos negócios e produtos, é o grande desafio reconhecido pelas famílias empresárias”, relata Sardenberg.
Se havia alguma dúvida de que inovações na área de tecnologia da informação, por exemplo, poderiam ainda ser consideradas supérfluas ou postergadas sob o pretexto da contenção de gastos, a pandemia tratou de eliminá-la.
As empresas familiares que já dispunham de uma estrutura digital para absorver impactos causados pela Covid-19 se saíram melhor de quem teve de começar do zero para enfrentar a nova realidade. Nesses casos, as adequações resultaram em maior agilidade e menor impacto na administração das operações.
Nesse sentido, a pesquisa da PwC serve de alerta: 85% dos entrevistados brasileiros confirmam que a digitalização, inovação e tecnologia são prioridades, mas apenas 15% (contra 19% da média global) confirmou estar com sua jornada digital completa. Outros 72% (foram 62% na média global) reconhecem que há um longo caminho a percorrer.
“Pelos próximos dois anos, a digitalização e a evolução tecnológica são desafios para as empresas familiares, com a pandemia trazendo esse foco”, enfatiza Sardenberg.
Clodoaldo Oliveira, diretor executivo da JValério, associada à FDC no Paraná, acrescenta que, quando falamos de digitalização, não basta se ater às novidades em termos de equipamentos que facilitam a vida de todos. No mundo corporativo as mudanças tecnológicas provocam uma reação mais complexa que envolve toda a cadeia: a relação dos colaboradores e líderes com as ferramentas, os reflexos nas receitas e como o cliente passa a interagir no momento no qual essas mudanças tecnológicas chegam até ele.
“Não é incomum que o planejamento envolvendo a transformação digital seja relegado a um plano secundário. A própria pesquisa comprovou com números o que nossos consultores, na escola de negócios, observam na prática. Os gestores, pressionados pela concorrência e o cumprimento de metas, não raro priorizam garantir a mera entrega do que foi planejado na planilha, o que já se convencionou chamar de “Ditadura do Excell”. Postergar algo como a transformação digital que vem se inserindo e estabelecendo novas necessidades, como a pandemia tem demonstrado, pode inclusive ameaçar a continuidade da empresa”, diz o diretor executivo da JValério.
Quando se olha mais adiante, colocando sob a lupa temas como sustentabilidade e suporte à comunidade local, a pesquisa evidencia mais uma fragilidade das empresas familiares de todo o mundo, com algumas exceções. Na China, 79% das companhias regidas por famílias priorizam a sustentabilidade contra 44% no Brasil e 23% nos Estados Unidos. No quesito de contribuir com sua comunidade, o placar se inverte, 79% das empresas familiares norte-americanas tem ações para a região onde atuam, contra 54% na China e 39% no Brasil.
“Temos agora a ESG (Enviroment, Social and Governance) e investidores preocupados em aportar capital somente em negócios com esse perfil. Mas essa ainda não se tornou uma prioridade das empresas familiares no Brasil a despeito desse momento pelo qual passamos”, alerta Sardenberg.
Clodoaldo Oliveira explica que, na prática, a ESG está voltada ao estabelecimento de propósitos em tudo o que a empresa faz. “Ao contribuir com a proteção e uso racional dos recursos naturais, a empresa mostra que busca não só meios de atenuar os impactos ambientais, mas que se esforça na construção de um mundo mais justo e responsável. Isso demonstra o sentimento de pertencimento àquela comunidade onde está inserida”.
Criado pela FDC e disponibilizado também pela JValério Gestão e Planejamento, o programa Parceria para o Desenvolvimento do Acionista e da Família (PDA) é estratégico para ajudar na profissionalização e continuidade dos negócios nas empresas familiares. O PDA orienta as lideranças sobre a importância e como implementar novos instrumentos de gestão que contemplam a transformação digital e a ESG, por exemplo.
O PDA abrange também a formação e preparação de sucessores e usa os mesmos princípios, conceitos, ferramentas de alinhamento e intercâmbio de experiências em redes de aprendizagem do PAEX (Parceiros Para Excelência) - mais um programa da FDC dirigido para pequenas e médias empresas.