Veja no post de hoje como a análise de cenários é importante para a tomada de decisões, além do planejamento ambidestro, para manter as empresas competitivas mesmo durante crise
Há mais de 10 anos, o professor da Fundação Dom Cabral (FDC) Paulo Vicente, utiliza os ciclos de Kondratieff.
como um modelo para estudar os cenários globais. E de acordo com essa linha teórica, ele explica que o intervalo de 2018 a 2030 corresponde à subfase do quinto ciclo de Kondratieff, que sempre acaba em uma crise que força a reinvenção do capitalismo. O sistema se restabelece por meio do surgimento de uma onda tecnológica, que provoca mudanças culturais e desencadeia transformações sociais e no mercado de consumo. E são essas modificações que projetam saltos na economia. É assim que o capitalismo se sustenta: quando mergulha no caos, consegue emergir graças a uma revolução tecnológica, que acontece a cada 50, 60 anos.
A criação da linha branca é um exemplo clássico de como a inovação foi capaz de resgatar a economia em outra subfase do ciclo de Kondratieff. A geladeira, a televisão e a máquina de levar provocaram mudanças culturais. As mulheres enxergaram nos eletrodomésticos uma facilidade que as conduziu para o mercado de trabalho. A renda das famílias aumentou, a economia ficou aquecida e, mais uma vez, o capitalismo conseguiu driblar mais uma crise.
Na década de 90 a internet mudou a forma de fazer negócios. Depois dessa invenção, no período de 2005 a 2018, a economia mundial entrou na fase de esgotamento, que precedeu a crise atual. Em resumo, é assim que se alimenta o ciclo de Kondratieff, em três etapas principais: esgotamento, crise e recuperação. E, com base nele, na visão de Paulo Vicente, até 2030, as empresas terão que se adaptar internamente e prever os cenários globais para conseguir reagir e seguirem sendo competitivas em um tempo de volatilidade na economia.
O mapa de riscos para o período de 2018-2030 já foi desenhado por Paulo Vicente em 2012. Na lista do professor já havia inclusive a previsão de uma pandemia. “Afinal, elas têm ocorrido com certa regularidade desde a década de 1980, mas sempre foram relativamente controladas. Em 2020, esse cenário se concretizou com grande força com a COVID-19. Certamente, é o maior desafio global desde a Segunda Guerra Mundial e a maior pandemia desde a gripe espanhola, de 1918-19. As gerações que viveram no pós-guerra se acostumaram a um mundo de relativa abundância e paz, exceto em regiões de intenso conflito militar, como o Oriente Médio. Vivemos por décadas numa ilusão de segurança e prosperidade constante. Mas quando a pandemia deu uma trégua, desembarcamos em um mundo com uma nova Guerra Fria, provocada pela Rússia. Mais uma vez, a insegurança se instalou. E tempos desesperados, requerem medidas desesperadas. Essa frase resume bem o momento no qual estamos vivendo”, afirma Paulo Vicente.
Mais uma vez, o professor relaciona a crise atual com o modelo de Kondratieff. Cada ciclo terminou numa crise generalizada. O primeiro encerrou no auge das Guerras Napoleônicas (1808-1820); o segundo, em uma série de guerras civis e de unificação (1858-1870); o terceiro, na Primeira Guerra Mundial (1908-1920); o quarto, na Guerra Fria, corrida espacial e crises do petróleo (1968-1980). Agora, a pergunta que fica é qual será a extensão dos problemas e cenários decorrentes da crise gerada pela pandemia e pelo conflito europeu entre Rússia e Ucrânia.
Paulo Vicente acredita que é impossível prever o futuro e, por essa razão, não há uma resposta concreta de como os governos e as empresas vão conseguir sair da crise e migrar para a etapa de recuperação, como sugere o ciclo de Kondratieff. “Como não temos clareza dos resultados, sempre uso a técnica de cenários, para pensar em possibilidades e probabilidades, ao invés de buscar “falsas certezas”. Em tempos desesperados, pessoas e governos tomam medidas desesperadas. A história nos mostra que os quatro cavaleiros do apocalipse, a Guerra, a Fome, a Peste e a Morte costumam andar juntos em tempos difíceis. E, mais uma vez, estamos nesta encruzilhada”, aponta o professor.
Ele sugere que as lideranças façam um exercício de imaginação para buscar respostas possíveis e críveis. E são elas que nos ajudam a mapear cenários. Hoje, os principais conflitos humanos são: controlar o crescimento populacional, preservar o ambiente (recursos), e erradicar a pobreza.
“Teremos que escolher dois desses três objetivos conflitantes. Uma parte dos pesquisadores enxergam a tecnologia como a alternativa para todos os problemas. Eles falam sobre abundância quando o outro grupo prevê a escassez. Essa outra corrente acredita que o mundo está entrando em colapso, por conta dos problemas ambientais. Quem está certo? Os dois modelos de pensamento. O cenário atual aponta para a necessidade de uma corrida em busca da sustentabilidade. Se as pessoas querem consumir mais, precisamos de um patamar de equilíbrio. Afinal, em 2011, a população mundial chegou a 7 bilhões. Em 2100 serão 11 bilhões de humanos habitando no planeta Terra. A tecnologia irá nos salvar? É possível ter um novo continente, com novos recursos? Vale dizer que a preocupação com os recursos naturais não é algo novo. Essa discussão ocorre há mais de 200 anos. Comida, minério e energia são suficientes para suprir as necessidades de uma população que cresce em ritmo acelerado?”, questiona Vicente.
Na visão do professor, a falta de recursos naturais esvazia as possibilidades de crescimento nos Estados Unidos e Europa, onde não há petróleo. As fábricas começaram a se deslocar para a Ásia, onde tem fonte de energia e mão de obra barata. Japão, China, Taiwan, Malásia iniciam uma terceira corrida colonial, liderada agora pelos asiáticos e não pelos europeus.
As próximas paradas para a exploração de recursos serão em territórios como Austrália, Nova Zelândia e Oceania. “Lá tem Petróleo e comida. Daí o interesse dos japoneses. Mas não é uma região rica o suficiente para sustentar esses interesses. Os novos colonizadores precisarão olhar para a prioridade número 2: a África. Mas o continente não está pronto no quesito logística, por exemplo. Os asiáticos investem lá para melhorar as condições para a exploração no futuro. A terceira opção é a América do Sul, que é rica e preparada, mas longe da Ásia e perto dos Estados Unidos, que é o outro “co-petidor”. E, neste sentido, os “co-petidores” são obrigados a lidar um com o outro”, argumenta Paulo Vicente.
Ele acrescenta que, no século 21, China, Índia, Coreia do Sul, expandem sua capacidade aeronaval, estendendo-se à bacia do Índico. Eles querem ter monopólio de acesso a tais recursos naturais, como acontecia entre os séculos 16 e 19. E já estão avançando. A China já criou uma colônia na África.
“Estamos de volta à corrida colonial. A China chegou ao limite do crescimento e será ultrapassada pela Índia, como já defendem alguns teóricos. Nesta circunstância, o mais provável de ocorrer é uma guerra fria entre o Ocidente (incluindo Japão) e a China. Um êxodo industrial para fora da China, que já vem ocorrendo, se acelera e pode beneficiar o Brasil, com parte desta indústria vindo se fixar aqui por conta de uma exposição ao risco militar menor. Este acaba sendo o melhor cenário para o Brasil, pois o dinheiro, empregos e indústria fluem para cá”, destaca Vicente.
Ao conhecer o cenário, a próxima empreitada das lideranças é pensar em como será seu negócio daqui há 10 anos, quando o ciclo de Kondratieff atual entra na fase da recuperação. “Esse é o desafio dos empresários: pensar quais as tarefas precisam realizar para ser sustentável e competitivo no horizonte de dez anos. Essa é a linha do planejamento ambidestro. Além disso, é preciso prever, a curto prazo, mudanças abruptas de cenários, porque vivemos num momento de mudanças abruptas e constantes. Daí a necessidade de elencar probabilidades e buscar soluções e estratégias resilientes para sobreviver em diferentes cenários. Os anos de 2023 e 2024 serão de gerenciamento de riscos, mas não podemos perder de vista as conquistas que projetamos para o nosso negócio nos próximos dez anos”, propõe o professor.
Ele acrescenta que a Análise Pestel (que indica as forças externas) e a matriz Swot são algumas ferramentas que podem apontar caminhos para o desenvolvimento do planejamento estratégico. Na última, os gestores devem incluir projetos, processos e gestão de stakeholders (para prever problemas de regulamentação propostos pelo governo, por exemplo).
“O exercício de cenários, usado desde 1969, sugere estimativas de probabilidades e de indicado[1]res econômicos em cada um deles. Lembre-se de que são apenas estimativas e não fruto de algum cálculo sofisticado e altamente confiável. São apenas balizas gerais. Vale salientar que a situação é dinâmica e pode mudar dentro do mesmo ano, uma vez que claramente temos trilhas de migração”, recomenda o professor Paulo Vicente.