Líderes evitam a alienação treinando a escuta e o diálogo

28/04/2021
Líderes evitam a alienação treinando a escuta e o diálogo | JValério

Excesso de confiança prejudica o olhar sistêmico sobre a empresa e, consequentemente, a capacidade de se antecipar a crises

Ocupar posição de liderança em uma empresa permite criar uma ampla rede de comunicação para saber o que acontece na companhia. É uma vantagem que ajuda a criar uma visão sistêmica do negócio, com reflexos no crescimento.

O executivo que consegue perceber o valor da escuta evita cair na armadilha de que a natureza do cargo é suficiente para lidar com todos os desafios que envolvem o universo da gestão. O diálogo é uma ferramenta que traz segurança na tomada de decisões. Essa habilidade, portanto, ajuda a construir pontes com os colaboradores e uma relação de confiança mútua, que permite às lideranças conhecer o que realmente se passa dentro da organização, sem ruídos na comunicação.

Saber escutar precisa ser um mantra do líder, ao ponto de elevá-lo ao estado de hipervigilância. Os resultados de um executivo atento e disposto a saber a opinião da equipe gera, por si só, um novo clima organizacional e alimenta a empatia pela figura do chefe. Esse ambiente positivo confere credenciais poderosas para o livre acesso de informações chave, sem distorções.

Ação e reação

As habilidades de escuta ajudam não apenas a evitar crises. Elas estimulam o debate para o surgimento de novas ideias, com liderados sem constrangimento de falar o que pensam diante de alguém em posição superior. Quem está na hierarquia e tem consciência sobre a importância de apoiar uma via aberta de troca de impressões, recebe de volta uma percepção e conhecimento aprofundado sobre a realidade do negócio.

O fato é que nenhuma escola de administração consegue formatar um programa de escuta, na teoria. Trata-se de um hábito que precisará ser cultivado no mundo real, dentro da rotina de trabalho. Esse é um comportamento essencial dos líderes que se preocupam em evitar o excesso de confiança pessoal de que sabem de tudo o que está ocorrendo no negócio. Na verdade, a consequência de achar que está um passo à frente dos demais é uma passagem só de ida, rumo ao isolamento e a consequência é a desconexão com a realidade.

Nos Estados Unidos, o tema da escuta vem gerando estudos e livros que analisam a fundo essa qualidade, que precisa ser estimulada entre os líderes. Na obra “Lights out: pride, delusion, and the fall os General Electric” (Apagão: orgulho, delírio e queda da General Electric, em tradução livre do título), os autores Thomas Gryta e Ted Mann contam como o então CEO da gigante multinacional, Jeff Immelt, adotava a postura de não levar a sério o que seus colaboradores alertavam sobre metas muito ambiciosas expostas pelo executivo. A resposta geralmente era fria e cortante: “Seu desejo não é forte o suficiente”.

Manter as aparências

Esse comportamento gerou entre os subordinados uma prática batizada de “teatro do sucesso”, onde passou a imperar o fornecimento de dados que descreviam um céu de brigadeiro, criado para evitar reações negativas do chefe. Nas quase duas primeiras décadas dos anos 2000 em que Immelt comandou a GE, um dos símbolos do capitalismo americano, a multinacional perdeu em valor cerca de US$500 bilhões. A dança das cadeiras foi inevitável.

Criar mecanismos que aperfeiçoem sempre os processos de escuta e diálogo pode evitar situações constrangedoras, como a relatada acima, e garantir que todos se sintam responsáveis com os planos de expansão da companhia. É o que se chama hoje de sensação de “pertencimento” a uma marca.

Mecanismos de escuta

Entre as ações efetivas e até simples que o líder sênior pode trabalhar nesse sentido com a equipe, está o incentivo ao hábito de pedir que o mantenham informado sobre o que acontece na empresa. Isso pode evitar que situações que o executivo considere cruciais para o andamento das atividades sejam acobertadas. Kelly Grier, presidente da consultoria Ernest Young, nos Estados Unidos, afirma que “a verdade precisa vir à tona”.

Outra iniciativa é remover a imagem de peso que se atribui à hierarquia. A confusão entre cargo-chave na empresa e o respeito pessoal associado a ele pode inibir o encaminhamento de necessidades mais urgentes por parte dos colaboradores.

Todos precisam estar à vontade para discutir os eventuais problemas que surgem. E para valorizar cada vez mais a abertura desse canal, o líder pode inclusive incentivar não apenas a revelação de situações limite. Pelo contrário, deve pedir que os funcionários relatem suas conquistas e o que proporciona orgulho do que já puderam (e continuem) fazer pela empresa.

Ouvir sem julgar

Mas para que essa dinâmica se revele promissora, o executivo precisa estar consciente de que deve estar ali para ouvir, sem enfatizar julgamentos ou contrapor agendas. Isso requer aprimorar sempre o próprio grau de entendimento, sem a tentação de colocar uma opinião expressa, por exemplo, após a exposição feita pelo colaborador.

São técnicas e estratégias que podem tornar o trabalho do líder mais fácil de ser encaminhado, com tempo para se antecipar a crises e eliminar os chamados ruídos de comunicação. Como cada pessoa tem uma visão diferente das coisas que a envolvem o negócio no dia a dia, o líder poderá usar as observações alheias como ensinamentos surpreendentes e exclusivos - se estiver disposto, de fato, a escutar.

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