Por
Fundação Dom Cabral
Quem são os empreendedores?
Seguindo o legado de Schumpeter, segundo o qual apenas uma pequena parcela da população realiza ações empreendedoras, um argumento central da literatura em empreendedorismo é que empreendedores diferem significativamente de não-empreendedores. Várias pesquisas se dedicaram a identificar os fatores distintivos daqueles que iniciam um novo negócio. Encontraram que os empreendedores contrastam com o resto da população em relação à idade, ao contexto social, ao perfil educacional, à motivação e aos traços psicológicos.
Como esta linha de pesquisa baseia-se em análises transversais restritas a um determinado ponto na carreira de um indivíduo, tem sido desafiada pelo reconhecimento de que o empreendedorismo é muitas vezes ocasional, isto é, restrito a uma fase da vida profissional. As bases de dados longitudinais revelam a prevalência de carreiras mistas em vários países. Os empreendedores puros (aqueles que passam toda a carreira trabalhando por conta própria) são a minoria. A maior parte tem uma carreira diversificada, fazendo uma transição entre o trabalho por conta própria e o trabalho assalariado ou conduzindo ambos simultaneamente.
Carreiras empreendedoras mistas
Em face destes resultados, há uma tendência crescente em considerar o empreendedorismo como uma opção de carreira. Sob esta perspectiva, os indivíduos escolhem passar parte de sua carreira no trabalho por conta própria e parte como trabalho assalariado. Há ainda aqueles que iniciam um negócio enquanto ocupam empregos regulares, os "empreendedores híbridos" ou “de tempo parcial”. Para além da abordagem "trabalhador puro" versus "empreendedor puro", identifica-se assim hoje uma distinção entre "tipos empreendedores" (indivíduos que trabalharam por conta própria, experimentam-no de forma fugaz ou esperam fazê-lo algum dia) e "empreendedores hard core" (indivíduos que persistem no trabalho por conta própria durante toda a carreira).
A maioria das pesquisas existentes sobre porque as pessoas se deslocam entre as diferentes carreiras enfatiza o papel de traços individuais estáveis, tais como os efeitos da educação, da família, da experiência profissional, da mobilidade entre indústrias, da aquisição de competências e da religião.
O caminho de transição caracterizado pelo empreendedorismo híbrido tem suas próprias especificidades. Pode ser visto como uma experiência de aprendizagem na medida em que proporciona uma entrada em pequena escala para indivíduos menos confiantes e mais avessos ao risco, com altos custos de oportunidade ou visando oportunidades particularmente incertas. É curioso notar que a forma como as pessoas entram para o empreendedorismo tem implicações significativas para os resultados empresariais. Por exemplo, uma transição híbrida aumenta as chances de sobrevivência do novo empreendimento e, posteriormente, facilita a entrada no auto-emprego.
Outros estudos investigaram o efeito das condições do local de trabalho sobre o movimento para o empreendedorismo. A lógica básica desta literatura é que as organizações são arenas para a aprendizagem e, como tal, moldam os funcionários de várias maneiras: 1) em termos de habilidades e conhecimentos que desenvolvem; 2) como eles veem o mundo e os valores que eles carregam; 3) as redes, contatos e capital social que eles constroem; e 4) na forma como percebem oportunidades. À medida que uma organização cresce, seus funcionários têm menos chances de se tornarem empreendedores; enquanto os fundadores aumentam a probabilidade de deixá-la e construir um novo empreendimento.
Um resultado importante deste campo é que algumas empresas geram mais empreendedores do que outras. Não só as empresas pequenas geram desproporcionalmente mais novos empreendedores, mas também os mais bem sucedidos. Além disso, as empresas de melhor desempenho tendem a gerar spin-offs a uma taxa maior e a ter melhores spin-offs. Por outro lado, a baixa taxa de empreendedorismo do setor público é explicada por um mecanismo de auto-seleção que é reforçado com o tempo. As pessoas entram no setor público porque valorizam a segurança do trabalho, estabilidade e tempo livre; e estão confortáveis em ambientes hierárquicos e estratificados.
E daí?
Do ponto de vista conceitual, esta linha de pesquisa desconstrói a visão do empreendedor como um “super-herói” com capacidades, atitudes e comportamentos excepcionais, democratizando-o. Os empreendedores não são indivíduos com qualidades únicas, mas que optaram por ter seu negócio próprio. O argumento de que empreendedorismo deve ser entendido como uma opção de carreira – uma escolha que pode ser transitória – reforça assim visão de que o empreendedorismo é um potencial humano.
Para uma escola de negócios como a FDC, a visão de que todos podem avançar em termos de carreira empreendedora amplia nosso universo de trabalho e escopo. Cabem algumas reflexões neste sentido: como apoiar os indivíduos no desenvolvimento de competências em momentos de transição para o (ou fora do) empreendedorismo? Devemos incluir empreendedores em programas tradicionais como MBA? Se empreendedorismo é uma carreira relevante para nossos clientes, de que forma incluir educação empreendedora em nossas soluções educacionais?
Referências
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