Descentralizar o poder é estratégia para crescer

27/11/2023
Descentralizar o poder é estratégia para crescer | JValério

A expansão e a longevidade das empresas está diretamente relacionada às boas práticas de governança corporativa, a começar pela capacidade dos donos em delegar funções

No mundo dos negócios, a zona de conforto de hoje pode se tornar o desconforto de amanhã. Falamos isso com a propriedade de uma instituição de educação executiva que está em contato direto e constante com o empresariado brasileiro. O fato é que ao observar o padrão das organizações brasileiras, sobretudo as empresas familiares, sabemos que um dos pontos fracos, aquele que costuma travar o crescimento justamente quando tudo parece ir bem, se chama ausência de governança corporativa.

A julgar pelas projeções, em um país no qual 90% das organizações têm perfil familiar, trata-se de um paradigma que se não for quebrado pode levar a uma série de escolhas e renúncias capazes de minar a relevância e, por consequência, colocar a longevidade em xeque. Em outras palavras, a dificuldade dos “donos” em lidar com regras, políticas e processos criados pela autoridade institucional é um dos motivos que levam companhias a fecharem suas portas - até mesmo grandes redes de varejo bem-sucedidas passaram por isso, basta dar um Google.

Nesse sentido, por se tratar de um nicho responsável por mais da metade do PIB e gerar cerca de 75% dos empregos no Brasil, segundo o IBGE, é de suma importância que haja o debate acerca das práticas organizacionais. Além disso, um estudo do Banco Mundial aponta que 30% das empresas familiares chegam à 3ª geração e apenas metade disso, ou seja, 15%, sobrevivem a ela. Portanto, diante de tanta competitividade, saber quais são os principais obstáculos enfrentados atualmente pode servir de norte a quem está percebendo a queda dos indicadores e pretende agir antes de ficar por um fio.

Pensando nisso, queremos propor uma reflexão que ajude a responder uma questão vital: diante do cenário, chegou a hora de se aprimorar?

Descentralização de poder: pontapé inicial da governança corporativa

Caso um empresário da década de 1950 pudesse empreender em pleno 2023, certamente ele se sentiria um peixe fora d 'água. E aqui não estamos falando de honra, integridade e muito menos capacidade. Aliás, reconhecer os valores e ensinamentos deixados pelas gerações fundadoras é uma das características dos negócios que se mantêm prósperos. No dia a dia, eles são conduzidos por pessoas que conseguem equilibrar o legado - notoriamente visto em culturas onde há maior proximidade entre funcionários e líderes, bem como relações mais humanizadas e de lealdade -, com as tendências atuais.

Entretanto, mesmo que valorizar os responsáveis por idealizar, construir e levar uma empresa a determinado patamar denote tradição e respeito, é preciso romper com a centralização excessiva. Isto é, o apego emocional dos sócios não pode ser mais importante que a permanência no mercado. Ademais, insistir em métodos que eram assertivos no passado, mas não acompanharam as transformações sociais - tais como a revolução tecnológica e as pautas ligadas a ESG - tem tudo para criar um gargalo que impõe diversas barreiras, incluindo o crescimento e até mesmo o planejamento sucessório.

Dizer que “é o olho do dono que engorda o gado” já fez sentido antigamente: agora, a proposta das boas práticas de governança corporativa propõe perspectivas atualizadas. Porém, antes de saber as vantagens de se adaptar às formas de gestão mais modernas, vamos elencar algumas ações que denotam presença de interdependência, do negócio para com o dono e vice-versa.

  • Empresas de controle familiar ou multifamiliar, cuja gestão é fortemente apoiada na supervisão direta dos proprietários e fundadores, tendem a tomar decisões influenciadas pelos valores pessoais da família empresária;
  • Possuem visão de longo prazo mais alinhada à agenda dos sócios do que a executiva;
  • A dificuldade de reconhecer e trabalhar as próprias limitações pessoais acaba por comprometer a formação de novas lideranças;
  • Desfavorece temas como os da diversidade e inclusão;
  • As melhores práticas de governança corporativa “esbarram” na resistência do dono em abrir mão do poder, que deixa de delegar a profissionais qualificados (da família ou não) as funções de gestores, conselheiros, administradores, entre outros.

Vantagens de investir em formas de gestão modernas

Ao dispensar esta ambiguidade, joga-se luz aos interesses de longo prazo com os critérios necessários para qualificar a tomada de decisões. Além desta vantagem central, vejamos quais movimentos são beneficiados ao optar por formas de gestão conectadas aos desafios da contemporaneidade.

  • Criar confiança entre a marca e o mercado, que retribui agregando valor à organização;
  • Reduzir custos tanto de transação quanto de capital;
  • Tornar-se mais atraentes a recursos financeiros e não financeiros (como melhorias internas, por exemplo);
  • Acelerar e facilitar a entrada em fundos de private equity ou acessar o mercado de capitais;
  • Recrutar e reter talentos, evitando os “cabides de emprego” comuns às gestões familiares desestruturadas;
  • Disponibilizar processos seletivos objetivos e meritocráticos no que tange ao ingresso, avaliação, remuneração, bonificação, promoção e sucessão de planos de carreira.

Regras e políticas devem valer para todos

Embora o ambiente corporativo seja, por si só, um local que denota certo grau de austeridade e competição, desde que utilizadas de maneira sadia são combustíveis que potencializam a jornada de CEOs e gestores. Isso porque os leva a um estado de formação contínua em prol de performances cada vez melhores.

Por falar nisso, se a atuação de familiares em cargos de alto escalão for opcional, dando lugar a especialistas com vivências e formações específicas, dizemos que a estrutura organizacional em questão está alinhada com as boas práticas de governança. Afinal, elas são unânimes em determinar que ao integrarem o quadro de colaboradores os membros da família devem submeter-se às mesmas regras e políticas aplicáveis aos demais, independentemente do vínculo familiar ou societário.

Assim, proprietários e parentes podem, sem dúvida, exercer funções na empresa, desde que tenham capacitação técnica e comportamental compatíveis e que consigam exercê-las sem misturar a origem com as responsabilidades profissionais. Vale lembrar que esse panorama requer certa dose de desapego, pois, a princípio, pode ser doloroso para os fundadores passar o bastão. Mas, ao entender que a governança corporativa representa a continuidade e expansão dos negócios, fica mais fácil incorporá-la tendo a qualificação como agente mobilizador.

Crescimento organizacional requer amadurecimento

Amadurecer e crescer de forma coordenada é uma meta comum nos estágios iniciais de qualquer negócio, de startups à multinacionais. Todavia, muitas iniciativas acabam se perdendo pelo caminho graças a dificuldades que partem da ausência de governança e resultam em despreparo. O impulso do empreendedor para colocar a mão na massa e fazer acontecer, muitas vezes, não é acompanhado de um planejamento estratégico. Mesmo que o caixa vá bem, só isso não será o suficiente para manter o negócio no jogo.

Com o propósito de sanar problemas que estejam colocando tanto a gestão como a sucessão em risco, caberá aos donos e seus descendentes a missão de fazer uma profunda autocrítica de modo a incorporar uma visão ampla e desafiadora. Houve um tempo no qual “mexer em time que está ganhando” podia ser contraproducente, no entanto, a atitude é sinônimo de uma administração forte e corajosa comprovada via sucesso empresarial.

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