Esse foi o tema discutido pelo professor Paulo Vicente, da FDC, na palestra “Cenários 2022 e planejamento ambidestro"; confira no post de hoje as previsões do economista para essa década.
“Tempos desesperados requerem medidas desesperadas”. Essa é a frase que traduz os tempos modernos na visão do professor Paulo Vicente, da Fundação Dom Cabral (FDC). E compreender o significado dessa expressão é essencial para que empresários, gestores e lideranças consigam reduzir a ansiedade e cultivar a resiliência para enxergar as saídas de emergências numa trajetória tortuosa, marcada por um emaranhado de crises. Nem saímos da pandemia do Coronavírus e desembarcamos num mundo em Guerra.
“Apesar de vivermos na era dos Unicórnios, termo usado para designar as startups avaliadas em pelo menos 1 bilhão de dólares e que investem em tecnologia para ganhar escalabilidade e crescer rápido, os camelos são os animais que se encaixam melhor na metáfora que decifra o enigma contemporâneo: são fortes para encarar o solo árido e seco, o calor do deserto e as tempestades de areia. E é este o ambiente que estamos enfrentando”, avalia Paulo Vicente.
A boa notícia, na opinião dele, é que o modelo capitalista é suscetível às crises e consegue se reinventar em meio aos tsunamis e ingressar em eras de prosperidade, impulsionadas pela tecnologia. Já vimos esse filme nos anos dourados pós-guerra, com a ascensão da linha branca: os eletrodomésticos - como a máquina de lavar, a geladeira e a televisão - foram os combustíveis que impulsionaram o crescimento econômico a partir da metade do século passado. A próxima grande virada tecnológica será a Internet 5G, que vai acionar os motores do capitalismo e fazer esse modelo econômico triunfar, mais uma vez, provando que seu ciclo é virtuoso.
Essa foi a principal mensagem do professor Paulo Vicente durante a palestra “Cenários 2022 e planejamento ambidestro", realizada em Curitiba, a convite da JValério Gestão e Desenvolvimento”. O professor é doutor e membro do Conselho Consultivo da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Na ocasião, Vicente fez uma análise dos cenários de 2022 a 2030 com base nos ciclos tecnológicos (Kondratieffs) sob as dimensões geopolítica, econômica e tecnológica. A proposta dele para as empresas sobreviverem e crescerem com sustentabilidade até o fim dessa década é adotarem o processo de planejamento ambidestro, que combina o planejamento estratégico com os objetivos de longo prazo.
Esse modelo foi criado por Nikolai Kondratieff, um economista russo que recebeu uma encomenda do governo soviético na década de 1920, no começo do século XX. Os ciclos de Kondratieff foram criados para provar a supremacia do comunismo sob o capitalismo. “No entanto, ao se debruçar sobre a história econômica com números, o estudioso entendeu que o que melhor explicava a economia não era a luta de classes, mas sim a tecnologia, que dava saltos de tempos em tempos. E é o seu desenvolvimento que impulsiona o capitalismo e cria eras de prosperidade”, explica Paulo Vicente.
A observação de Kondratieff demonstra que, a cada 50, 60 anos, ocorria um salto tecnológico, sempre motivado por uma crise que fechava o ciclo anterior. Foi a partir dessa premissa que o estudioso russo percebeu que tais acontecimentos lembravam a teoria marxista, mas com uma diferença: Marx disse que o sucesso do capitalismo iria criar uma grande crise para ele mesmo. E ele estava certo. No entanto, sua projeção não previa guinadas tecnológicas consecutivas, que alimentam o sistema. “Com um excesso de oferta e muito dinheiro gerado pelo lucro ao longo de anos, seria provocada uma crise por excesso de liquidez. Porém, o que havia ocorrido, era que ao invés de colapsar, o capitalismo se reinventava com novas tecnologias”, afirma Paulo Vicente.
Marx projetou na década de 1840 que o capitalismo iria entrar em crise em poucas décadas. Em 1850 aconteceu a primeira grande crise, protagonizada por mercados emergentes. Para sobreviver, as economias se fecharam e alavancaram uma crise ainda maior, em 1860. Tudo isso havia sido previsto pela teoria marxista. Contudo, seus estudos endereçavam para uma guerra de classes, que não ocorreu. As lutas foram travadas entre as oligarquias e desembocaram em sucessivas guerras civis - na China, Índia e Estados Unidos; Alemanha e Itália foram unificadas; e a guerra da tríplice Aliança, ou do Paraguai, na América do Sul.
Na década de 1870 a introdução da eletricidade foi a primeira grande revolução tecnológica. “Revoluções tecnológicas mudam o comportamento da sociedade das massas, o consumo das massas e reinventam, naturalmente, o capitalismo. A luta de classes não é o motor da história. Marx estava certo ao afirmar que o sucesso do capitalismo geraria uma crise, mas estava errado ao acreditar que esse seria seu fim. Tempos desesperados requerem medidas desesperadas. E as pessoas não pensavam mais “fora da caixa”, a ”caixa” evaporava, e era preciso criar uma nova. Com uma crise enorme e muito dinheiro nas mãos, novas tecnologias surgiam, e o capitalismo se renovava por mais um ciclo”, argumenta Paulo Vicente.
China e Rússia - que instalou nova edição da Guerra Fria no mundo - se uniram. A tendência é o enfraquecimento das indústrias chinesas e a busca por novos fornecedores para abastecer a cadeia de suprimentos - com preços mais competitivos - no próprio continente asiático. “O descontentamento chinês pode derrocar uma guerra na Ásia e essa é uma oportunidade para o Brasil, que é um país pacífico. Temos um grande ativo, a paz, que é um chamariz para investimentos”, avalia Paulo Vicente.
A tecnologia está moldando um novo mercado de trabalho: a robotização tira do mapa alguns empregos, mas, em contrapartida, vai originar novas profissões que ainda não existem. Não podemos perder de vista que os seres humanos fazem as curadorias das novas tecnologias e, são as pessoas criativas que vão se sobressair no gerenciamento de tarefas e atividades que os computadores não podem realizar.
“Novas tecnologias diminuem custos de produção. Vimos isso na telefonia fixa. O celular destruiu a telefonia fixa. Destruiu empregos, mas gerou outros, em volume maior. Pensem que hoje existe mais celular que pessoas no Brasil. A transformação digital irá gerar novos postos de trabalho. O problema não é a falta de emprego, é a falta de capacitação. A mudança da força de trabalho irá implicar numa reforma da educação”, analisa o professor da FDC.
O que o mercado chama de “novo consumidor”, na opinião de Paulo Vicente, não é tão novo assim. Os três valores do consumidor continuam sendo: utilidade, experiência (que alimenta memórias e sentimentos em relação a um negócio) e valor agregado das marcas.
“A pandemia quebrou paradigmas como as compras online, o trabalho remoto, a telemedicina e a educação remota. A transformação digital reacende os valores do novo consumidor e oferece a eles segurança no e-commerce, a exclusividade, como a limitação na oferta em clubes que ficam em aplicativos e no desenvolvimento do branding, da construção de uma narrativa mitológica em torno de uma marca. É o sujeito Apple, a mulher Lancôme”, aponta Paulo Vicente.
Como explicamos no começo do texto, o capitalismo gera “esgotamento”, crises para si mesmo, e desencadeia as lutas oligárquicas. Parecia improvável quando 2022 começou: mas estamos vivendo em um mundo em Guerra Fria, após um intervalo de 30 anos. E, neste momento, as lideranças devem equilibrar risco com performance. “Essa é a essência do planejamento ambidestro. Olhar de trás para frente, essa é a lógica. O ano de 2022 é um ano de gerenciamento de riscos, mas não podemos perder de vista as conquistas que projetamos para o nosso negócio nos próximos dez anos”, finaliza Paulo Vicente.