Por que insistimos em trilhar caminhos que sabemos que são errados
17/12/2015
Uma vez apresentei um desafio para minha equipe no Citibank, que eu estava formando para serem mais intraempreendedores, com mais autonomia e desenvolvendo soluções criativas para o nosso trabalho de implantação de sistemas de internet banking. Quando falei em desafio, o empolgamento era uníssono: ‘Desafio? Oba! Adoramos desafios’, já doutrinados à expectativa de que intraempreendedores são motivados pelo desafio. Falar é uma coisa, encarar o desafio é outra totalmente diferente, como se viu ao longo das semanas seguintes.
O desafio era reduzir em 40% o tempo gasto para implantar um sistema em um cliente novo do banco (nosso sistema atendia apenas empresas). Na época, levava-se em média 48 dias para um novo cliente se tornar operacional e transacionar com o banco, ou seja, 48 dias sem gerar receita com este cliente novo. O desafio que estabelecemos foi reduzir para um mês em média.
No início, todos empolgados, energizados, auto-motivados. Nada melhor do que resolver um problema grande e de alta relevância tanto para o banco como para o cliente. Uma sessão de brainstorming trouxe algumas ideias interessantes. Uma delas foi adotada, que não vem ao caso detalhar tecnicamente aqui neste texto, mas foi a que pareceu ter mais chances de atingir o objetivo com menos riscos.
Dado o alto engajamento de toda a equipe, formada por 12 analistas, eu tentei interferir o menos possível, deixei que se auto gerenciassem e fui acompanhando à distância o seu desempenho. Diante das primeiras dificuldades de conseguir os dados necessários, já vi o arrefecimento do entusiasmo deles. Outras dificuldades foram surgindo como orçamento limitado e falta de apoio de outras áreas envolvidas no processo de implantação. Um mês depois, nem todos vinham às reuniões, discussões e até brigas iam minando a coesão do grupo e os avanços no projeto estavam ficando mais espaçados.
Chamei os líderes para conversar e o discurso antes que era só de planos e possibilidades mudou para desculpas e justificativas sobre o que não estava dando certo. O interessante é que os líderes não estavam em nenhuma das justificativas apresentadas. Sempre havia um ou mais culpados e os culpados eram sempre os outros. Diante disso, vi que a autogestão não estava funcionando e resolvi assumir as rédeas do projeto, mas para isso, era preciso despertar novamente o senso de pertencimento dos funcionários e fiz isso retomando o propósito do projeto, não o objetivo, mas o significado e a importância daquele projeto para eles, para mim, para o cliente e para o banco. Acho que meu discurso foi mais ou menos assim:
“No começo vocês acharam que ia ser fácil. Quem pôs isso na cabeça de vocês? Todo intraempreendedor sabe que um desafio só é de fato desafiador se for difícil. Na hora de escolher as ideias, vocês procuraram, talvez institivamente, o caminho mais curto, não o melhor caminho, porque o melhor caminho era mais difícil. O pior é que o caminho mais curto se mostrou mais difícil do que vocês esperavam e, por não estarem preparados para algo complexo, vocês viram o trabalho que seria necessário, a dedicação necessária e automaticamente compararam com suas outras atribuições. Foi natural mudar suas prioridades e deixar este projeto em segundo plano.”
Todos começaram a falar ao mesmo tempo. Porque fulano de tal não entendeu a ideia, porque outro criou propositadamente barreiras para eles, porque não tem tempo para o projeto, tem outras demandas, porque só vai funcionar se o diretor aprovar, porque faltaram melhores orientações, porque não tem orçamento. Eu interrompi eles:
“Vocês perceberam o que estão falando? Vocês estão se comportando como qualquer outro funcionário daqui, um discurso do porque não pode ser feito. O que temos conversado há meses? O intraempreendedor tem outro discurso, o discurso das possibilidades, olha como vocês entenderam, mas não conseguem mudar seu jeito de pensar, não é falar porque não vai dar certo e sim falar como poderá dar certo.” Subitamente todos pararam de falar. Senti que entenderam o recado e estavam se autopoliciando sobre suas próximas palavras, enchendo a sala com um constrangedor silêncio. Continuei:
“Vamos retomar nossas primeiras reuniões, lembram porque este projeto é importante? É importante para quem? É importante porque? Que benefícios vai trazer?” Aos poucos começaram a fazer uso da palavra novamente, falando porque é importante para o usuário, como que o banco iria ganhar, quais os benefícios para os departamentos transacionais do banco, como iriam reduzir retrabalhos internos, de que forma o tempo deles seria otimizado para outras coisas. Aos poucos as ideias voltaram a surgir, o tom de voz foi aumentando, mais gente falando ao mesmo tempo, mais gente querendo contribuir, logo passaram para a ideia, consideraram que a ideia não era tão boa assim, mas viram também que podiam aproveitá-la para fazer algo mais simples, mais efetivo e que dependesse só deles. A energia voltou e logo abraçaram esta nova e mais simples ideia. Em dois meses implantaram e começaram a colher os primeiros resultados.
Com o tempo, a ideia foi evoluindo e outras áreas, vendo os benefícios, começaram a contribuir também com ideias para agregar ao sistema novo existente, com suas sugestões implantadas, a solução foi se tornando mais complexa, mais abrangente e mais eficaz. Quando saí do banco, o tempo médio de implantação de sistemas já era de 25 dias e ainda estavam melhorando os processos.
Embora ninguém queira se sentir fracassado, muitas vezes é um sentimento importante para usar como aprendizado, como forma de colocar o pé no chão e abandonar ilusões e ideias pré-concebidas ou preconceituosas. O fracasso nos ensina coisas que não poderíamos aprender de outra forma, o que leva à outra lição: O trabalho em equipe só funciona quando, diante de falhas e erros, cada um procure em si mesmo onde errou e o que poderia ter feito de diferente antes de culpar os outros. Mesmo que sinta que não errou e que você fez a sua parte, declare publicamente alguma omissão ou algo que você poderia ter feito, assuma alguma culpa. O primeiro que faz isso é o líder e este tipo de declaração deve inspirar os outros a fazer o mesmo e assim construir uma relação de comprometimento mútuo e identidade coletiva.
Outra coisa que percebi é que todos gostam da liberdade, mas nem sempre estão preparados para arcar com as responsabilidades que vem junto. Ser um líder quando tudo vai bem é uma coisa, mas os verdadeiros líderes emergem quando as coisas vão mal. As crises são as melhores escolas de liderança. Se queremos formar líderes, não devemos tentar protege-los, devemos deixá-los lidar com as circunstâncias emergentes e até mesmo, criar crises propositadamente, desestabilizar o ambiente de alguma forma, para leva-los aos seus limites.
Por fim, a coragem. Quando a importância do projeto fica clara para todos e todos se identificam com os mesmos propósitos, o grupo ganha coragem para recuar e tomar outro caminho ou muitas vezes até mesmo recomeçar do zero, se julgarem necessário. Não querer sair do caminho errado porque já trilhou muito deste caminho é insistir com o erro e aceitar resultados medíocres, que não condizem com o espírito empreendedor que queremos fomentar.
Se você se sente desconfortável com o caminho que escolheu, se sente que escolheu errado, se este sentimento é generalizado na equipe, porque continuar? Porque insistir? Existe a esperança de que este caminho faça sentido no final? Onde existe paixão, onde existe crença, não existem caminhos errados, só os certos. Pode custar caro, mas não faz sentido continuar um caminho errado. São estas crenças e princípios que forjam a determinação e a perseverança do empreendedor, pois podem existir vários caminhos certos, mas nunca insistimos em caminhos que sabemos que são errados.
Por Marcos Hashimoto
Foto: iStock
Fonte: Portal Administradores
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