De pai para filho ou não: desafios da sucessão empresarial

14/03/2024
De pai para filho ou não: desafios da sucessão empresarial | JValério

Saiba como as empresas familiares podem organizar e antecipar a troca de poder e gestão, garantindo que a transferência ocorra de modo eficiente e sem impactos negativos para herdeiros, sócios, colaboradores e a própria organização

Uma hora ou outra, a sucessão empresarial será um processo que todo negócio construído por uma família, independentemente do porte ou setor, irá passar. Afinal, mesmo que o fundador viva e respire daquilo que, na maioria das vezes, levou anos para construir do zero a base de muito suor e dedicação, um dia ele terá que, inevitavelmente, passar o bastão. Diante do desafio, mais do que abrir mão de um propósito e metodologia, o que está em jogo é a continuidade da empresa e seu equilíbrio operacional. De preferência, sem riscos de ver o patrimônio ruir nas mãos dos descendentes ou próximo grupo organizacional.

Conscientes das próprias limitações humanas, que nos levam a envelhecer, a maioria dos líderes costuma ter um plano sucessório pronto para quando isso acontecer. Apesar de ser um tema delicado e nem sempre fácil de lidar, com planejamento e transparência a troca da estrutura administrativa ou societária do empreendimento se torna menos traumática. Além disso, entregar a responsabilidade e direitos da firma a alguém requer critério e estrutura para que a passagem seja eficiente e com os menores prejuízos possíveis.

Em algumas situações, a sucessão empresarial pode ocorrer de forma obrigatória ou repentina, a exemplo do falecimento do proprietário. Sendo assim, é fundamental estar preparado para não ser pego de surpresa. Aliás, mesmo que haja filhos, netos e demais herdeiros na fila sucessória, as ambições devem ser contidas em prol de uma execução impecável. Como diz a expressão, “dai a César o que é de César” não garante legado: é preciso se antecipar aos acontecimentos a fim de evitar problemas futuros e garantir a perenidade e, sobretudo, a longevidade da organização.

Quer saber como os grandes empresários lidam com a questão da transferência de poder titular, gerencial e de capital em suas trajetórias? Confira os principais pontos que envolvem a sucessão empresarial com direito ao case de três grupos nacionais que seguem entregando tudo, tanto internamente quanto à economia do país, geração após geração.

Planos de sucessão empresarial em empresas familiares no Brasil

De acordo com a pesquisa Global de Empresas Familiares, da PwC, realizada em 2022, 67% da próxima geração de brasileiros admite a existência de um plano de sucessão para os negócios da família. Contudo, ele não se aplica em 72% dos entrevistados quando o que está em definição são os cargos estratégicos. Em contrapartida, dados da KPMG revelam que meros 30% das empresas familiares documentam e comunicam adequadamente as providências.

Em se tratando de eventos inesperados, sobe para 47% o número de gestões despreparadas em caso de morte, assunto tratado como tabu pela maioria. Tendo em vista a importância de planejar a sucessão empresarial, não é de se espantar que, segundo o  Family Business Institute, 70% desse tipo de negócio não sobreviva à transição do fundador à segunda geração. Ou seja, apenas um terço segue em frente, o que é considerado um índice baixo.

Narrativas que fazem parte da sucessão empresarial

Para te ajudar a visualizar os desafios da sucessão empresarial, listamos algumas dinâmicas únicas que costumam interferir positiva ou negativamente nesta jornada. Inclusive, elas também fazem parte das preocupações e conquistas que determinam o futuro das empresas de modo geral, familiares ou não.

À medida que mergulhamos neste vasto e intrigante universo, descobrimos que por trás das portas de salas de reuniões e documentos legais, existem pessoas e suas histórias reais de sucesso ou fracasso. Vejamos quais narrativas se mostram determinantes e as lições valiosas que aprendemos com elas.

  • Entre as principais causas para a falha na longevidade de empresas familiares estão os conflitos entre membros da família: 60% não foram capazes de resistir à disputa interna, de acordo com relatório da Harvard Business Review;
  • Em muitos casos, os herdeiros não têm as habilidades necessárias para tocar o negócio, como aponta o Journal of Family Business Strategy, ou então têm dificuldade para se adaptar às mudanças e resistem à inovação, segundo dados do Índice de Empresas Familiares;
  • Isso quer dizer que as empresas familiares estão fadadas ao fechamento? Muito pelo contrário. O estudo da Ernst & Young (EY) mostra que coletivamente as empresas familiares geraram US$ 8,02 trilhões de receita em 2023 - um aumento de 10% em relação ao Índice de 2021;
  • Isso significa que elas cresceram quase o dobro da taxa das economias avançadas. As 500 empresas listadas pelo Global Family Business Index empregam 24,52 milhões de profissionais;
  • Portanto, planejar a sucessão evita a perda da memória institucional e garante a transferência de conhecimento e a continuidade dos negócios em cargos de liderança e funções-chave da empresa;
  • Permite contar com um grupo mais diversificado de líderes que foram escolhidos por meio de processos imparciais de análise e identificação;
  • Cria uma cultura organizacional mais forte e permite decisões de maior qualidade e baseadas em dados sobre a composição do conselho.

Mecanismos empresariais que desmistificam a sucessão empresarial

O processo de sucessão empresarial está muito ligado ao grau de maturidade da empresa, o que inclui os mecanismos criados ao longo do tempo para lidar com as inúmeras conjecturas que se apresentam. Confira 10 aspectos que tornam a transição de liderança e propriedade mais suaves, bem como preserva a viabilidade do negócio a longo prazo.

  1. Governança corporativa, societária e familiar;
  2. Clareza na tomada de decisões;
  3. Políticas internas voltadas ao planejamento de sucessões;
  4. Profissionalização da gestão;
  5. Estratégias de comunicação;
  6. Setor dedicado ao gerenciamento de conflitos de natureza diversas;
  7. Preservação dos valores e tradições familiares sem interferências na administração;
  8. Engajamento dos colaboradores;
  9. Criação de planos de desenvolvimento profissional para sucessores;
  10. Promover o diálogo aberto sobre o processo de sucessão.

Casos de sucessão empresarial que prosperaram no Brasil

A seguir, conheça um pouco a respeito de três grupos empresariais brasileiros de origem familiar que seguem prósperos  há décadas.

Grupo Globo

Em 1925, o jornalista Irineu Marinho fundou o jornal O Globo, mas morreu poucos meses depois. Roberto Marinho, filho e herdeiro de Irineu, na época com 21 anos, trabalhava como secretário e repórter da publicação. À princípio, o jovem optou por deixar a gestão nas mãos de Euclydes de Matos, considerado por ele mais experiente. No entanto, Euclydes também veio a falecer depois de ser o editor-chefe do periódico por seis anos. Diante dos acontecimentos, Roberto finalmente assumiu as rédeas do negócio fundado pelo pai.

Na década de 1990 e já em idade avançada, Roberto Marinho passou a envolver seus três filhos (Roberto Irineu Marinho, João Roberto Marinho e José Roberto Marinho) na gestão do negócio que agora comportava o nome de Organizações Globo, como meio de preparar sua sucessão. Roberto Marinho faleceu em 2003, aos 98 anos, por conta de uma embolia pulmonar. Atualmente, o Grupo Globo é o maior conglomerado de mídia e comunicação do Brasil.

Filtros Europa

A advogada, Manuella Curti, assumiu à frente da fabricante de filtros de água Europa em 2011, aos 26 anos, em virtude da morte de seu pai e cofundador da empresa, Dacio Mucio de Souza. Os planos de sucessão do patriarca, que enfrentava um câncer, era preparar o filho, Dacio Junior, para o cargo. Entretanto, no Natal de 2008, a família foi surpreendida com o assassinato do rapaz. Com o choque da perda de um filho, Mucio faleceu seis meses depois da tragédia.

Em decorrência da partida precoce do irmão, Manuella se aproximou dos negócios. A decisão de assumir o controle da operação foi um consenso entre ela e outros familiares, incluindo sua mãe e irmã, e o sócio de seu pai e cofundador da Europa, Antônio Carlos Camargo.

Beto Carrero World

Considerado a Disney brasileira, o famoso parque Beto Carrero World, localizado em Penha (SC), foi fundado em 1991 por João Batista Sérgio Murad, mais conhecido por Beto Carrero. Com a morte de João aos 70 anos, em 2008, seu filho e membro do conselho desde 2000, Alexandre Von Janke Murad, assumiu a presidência do empreendimento, onde ficou até 2013.

Em seguida, o comando executivo acabou ficando com Adalgiso Telles, enquanto Murad se manteve no conselho. Poucos meses depois, a cadeira foi ocupada por Rogério Siqueira, ex-presidente do Conselho Estadual de Turismo de Santa Catarina. Já em 2020, a atração temática passou a ser administrada pela diretoria colegiada.

Como acabamos de ver, o planejamento da sucessão empresarial em negócios de origem familiar é uma das práticas de governança corporativa que impactam o alcance de uma gestão profissional focada no desenvolvimento sustentável dos negócios. Em outras palavras, um conhecimento que faz a diferença na carreira de todo empresário.

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