ESG, processo sucessório e políticas de Governança devem ser prioridades na agenda dos fundadores; o aconselhamento é da professora da FDC, Adriana Solé
De cem em cem anos a sociedade civil organizada passa por uma pandemia. No passado, os doentes eram isolados para proteger a economia. Mas o comportamento da sociedade civil mudou de forma espontânea no novo século. Criamos um novo sentido para a humanidade e esses novos valores abriram caminho para a expansão da ESG, sigla em inglês que significa environmental, social na governance, e corresponde às práticas ambientais, sociais e de governança de uma organização.
Esse termo foi criado em 2004, em uma publicação do Pacto Global em parceria com o Banco Mundial, chamado Who Cares Wins, e se tornou uma tendência na gestão corporativa. Contudo, a chegada de um inimigo invisível que provocou uma crise sanitária e que atingiu também a economia, colocou o “S” da sigla em evidência. E a preocupação com as pessoas ganhou o centro do universo.
Essa foi a introdução da palestra da professora associada da Fundação Dom Cabral (FDC), Adriana Solé, no Comitê PAEX, na última quinta-feira, dia 18. O evento foi promovido pela JValério Gestão e Desenvolvimento e debateu as questões inadiáveis para as empresas familiares. A ESG é apontada como uma delas.
“A governança possui três níveis: Governança Global, Governança de Estados-Nação e Governança Corporativa. A pandemia jogou todas no liquidificador e fez das três instâncias uma grande mistura. Percebemos que todos estavam passando pela mesma paúra. De repente, a pandemia era um problema transversal. Fomos convidados diuturnamente a aumentar a nossa capacidade de resiliência. Percebemos que precisamos garantir nossa integridade. A sincronicidade foi necessária para que todos seguissem o mesmo caminho. E foi aí que entrou a ESG, com o social em voga. A governança aparece por último na sigla porque justamente serve para organizar as empresas”, afirma Adriana Solé.
Na avaliação dela, se o mundo e a sociedade mudaram, as empresas também precisam mudar para atender os novos anseios do público. E, por isso, a ESG é uma questão urgente. No entanto, os fundadores das empresas familiares que ainda estão no comando dos negócios são resistentes às mudanças. A boa notícia é que a ameaça provocada pela pandemia uniu as gerações. “Com todos em casa, os assuntos empresa foram compartilhados na mesa de jantar e os “next gens”, como são chamados os herdeiros, começaram a participar com mais vigor das famílias empresárias”, explica Adriana.
Em sua apresentação, a professora da FDC citou dados da pesquisa Global NextGen 2022 da PwC. E, segundo o estudo, um dos fatores que ameaçam o crescimento das famílias empresárias é a adoção de novos recursos que vão além da expertise digital para alcançar as exigências do mercado no que tange a ESG. E, neste cenário, são os herdeiros que ganham os holofotes.
Os next gens estão mais preparados para lidar com as novas tendências, que desafiam pensamentos padrão e pré-estabelecidos. Aumentar o foco em responsabilidade social e sustentabilidade é uma preocupação de 16% dos gestores da geração atual, contra 32% dos millennials e 38% da geração Z.
Outra mudança provocada pela pandemia, sobretudo nas empresas familiares, é que os fundadores perceberam que a morte mora ali ao lado. “Criou-se um senso de urgência para o plano de sucessão. Não dava mais para esperar os herdeiros se capacitarem”, aponta Adriana.
A pesquisa da PwC mostra que a geração atual está participando mais do controle do negócio: 43% dos entrevistados disseram que agora estão mais envolvidos com a empresa que antes de 2020; 36% responderam que a pandemia resultou numa comunicação mais forte com a geração atual; e 43% afirmaram que se sente mais comprometidos com a organização em relação ao período anterior à Covid-19.
A pesquisa também endossa o que os especialistas em sucessão nas empresas familiares já sabem: o conflito entre as gerações atuais e as futuras é um dos desafios nas organizações comandadas pelos próprios fundadores. O estudo revela que 14% dos gestores da nova geração relatam ter recebido um projeto durante a pandemia justamente em razão de um fato atípico que provocou mudanças em toda a sociedade. Outros 45% acreditam ser difícil provar a si mesmo como um novo líder e membro do conselho. Já 57% acham que a hesitação da geração atual em se aposentar é um problema.
A professora da FDC ressalta que as empresas que conseguem ultrapassar os conflitos transgeracionais e proteger a propriedade ao longo do tempo, independente de quem estará no poder, são capazes de garantir qualidade de vida para as próximas gerações. “E blindar a propriedade para o usufruto das próximas gerações é um dos atributos da Governança. Temos empresas japonesas que já estão na 72ª geração de herdeiros. E temos muito o que aprender com essas empresas. Afinal, para se tornar uma companhia de capital aberto e atrair investidores, é preciso passar por todos os desafios das empresas familiares. Grande parte das grandes organizações do mundo e do Brasil, como a Sadia, a Gerdau, a Droga Raia, são empresas familiares”, salienta Adriana.
Para ela, a passagem do bastão da segunda para a terceira geração é o ponto mais crítico para a sobrevivência das empresas familiares. É neste momento que ocorre o que Adriana chama de “processo de diluição do capital de controle”, quando os netos dos fundadores querem sentar no trono do dono. E para o negócio resistir aos interesses da própria família.
“Quanto mais cedo o fundador tomar essa decisão, de qual entre os filhos dele será o sucessor, melhor. A cadeira é uma só. A empresa familiar mexe com as emoções. Se não tivermos critérios, e cada família tem os seus (o que vale para a nossa), o negócio está em risco. Quando abre o capital, os investidores querem saber com quem irão falar. Isso é governança”, argumenta Adriana.
“A governança vem para garantir a expectativa que o dono tem em relação ao negócio”, diz Adriana. E é a Governança, inclusive, que deve estabelecer as competências e habilidades que serão exigidas dos herdeiros para assumir cargos. “Tudo está no acordo de acionistas que precisa ser muito bem elaborado, com respeito às características de cada empresa, de cada família, para preservar o negócio quando o fundador ou gestor atual não estiver mais aqui”, acrescenta Adriana.
Na visão dela, um dos maiores desafios dos consultores no trabalho com as famílias empresárias é fazer os gestores pensarem como acionistas. “É necessário mudar essa mentalidade. Esse é o primeiro passo, encarar a realidade: se colocarem como dono e pensarem na sobrevivência do negócio, independente das emoções, das relações afetivas, familiares, que se misturam com a empresa. Montar um conselho com pessoas de fora para tirá-lo da zona de conforto, por exemplo, também é sinal de maturidade do dono”.
Os fundadores precisam aceitar e aprender a conviver com o fato de que Governança é uma relação de potencial conflito. E, em cada momento do ciclo de vida da empresa, são necessárias medidas distintas para a Governança. “Nada é eterno. O modelo de governança precisa ser atualizado. É preciso domesticar a família: todos devem compreender, com muito diálogo, que o que foi definido nos acordos, definido está”, aconselha Adriana.
Se uma empresa familiar ainda não tiver nenhuma política de Governança Corporativa deve começar com um acordo de acionistas, feito com o auxílio de um advogado. “São os sócios que definem o que será feito com o dinheiro, por exemplo. E tudo isso precisa ser documentado. E todos os acordos devem ser revistos, periodicamente, para blindar a empresa. As pessoas precisam estar dispostas e pensar e discutir com maturidade todos esses assuntos. Em qualquer estágio, são necessários instrumentos de governança. As leis mudam, a sociedade muda, a família muda, o acordo de acionista precisa evoluir também”, destaca Adriana.
Esse é mais um dos mandamentos que deve ser seguido pelas famílias empresárias. Os fundadores devem envolver os filhos, desde pequenos, na rotina da organização, como nas festas de Natal, por exemplo. É um erro levar os herdeiros para o ambiente empresarial apenas quando aqueles que serão sucedidos correm risco de morte ou estão prestes a se aposentar. “O herdeiro precisa ser capacitado para trabalhar na empresa. Mas é comum ver os fundadores matar os herdeiros no ninho. E esse é o maior pecado da empresa familiar”, finaliza a professora da FDC.