Um dos desafios dos fundadores é despertar a vocação nas novas gerações: 23% dos herdeiros não têm interesse em continuar no negócio
Flexibilidade e resiliência são duas habilidades que foram desenvolvidas pelos gestores e empresários brasileiros de todo o mundo nos últimos dois anos. A pandemia acendeu um alerta máximo sobre a imprevisibilidade no mundo dos negócios e mostrou que as organizações que já empregavam os atributos da governança corporativa se saíram melhor porque estavam mais organizadas para enfrentar o tsunami que viria pela frente: a transformação digital e a conversão para o regime remoto foram as primeiras providências para driblar os percalços trazidos pelo Coronavírus.
Por promover mudanças rápidas e a inovação, a pandemia - que ainda está em curso no Brasil e no mundo - pode ser considerada um impulso para o crescimento. A crise sanitária que atingiu em cheio a economia contribuiu com uma transformação da mentalidade das famílias empresárias e ajudou a eliminar o tabu em relação à transição familiar.
“Hoje já percebemos muitos dos fundadores das empresas buscando o desapego de suas funções, entendendo sobre a necessidade de transformar seu negócio, com o seu sucessor – seja familiar, ou não”, avalia Clodoaldo Oliveira, diretor executivo da JValério Gestão e Desenvolvimento.
Dalton Sardenberg, PhD em governança, e professor da Fundação Dom Cabral (FDC), acrescenta que, durante os dois últimos anos, muitas sucessões passaram a acontecer de forma abrupta. “Temos poucas empresas centenárias no Brasil. Os fundadores nem sempre se sentem à vontade para falar de um legado sendo que eles não estarão lá para ver, no futuro. E, por isso, o plano de sucessão, muitas vezes, é adiado. Observamos um volume elevado de empresas que ainda não possuíam um processo de sucessão definido no caso da falta do fundador ou da liderança familiar à frente dos negócios. E a pandemia mostrou que precisamos lidar com a morte prematura de alguns líderes, além do risco de afastamento, e planejar a sucessão”, salienta Sardenberg.
O medo da mudança ainda é muito presente na liderança familiar na visão dos experts no assunto. A preocupação é encontrar um herdeiro com as competências adequadas para dar continuidade ao legado. “Não precisamos saber se o herdeiro possui a competência para gerir o negócio, mas se ele tem a vocação para tal. Essa vocação pode ser um chamado da família e se completa com o sim. A partir disso, é hora de prepará-lo, ajudá-lo a construir um processo de legitimidade. O que precisamos é fomentar essa vocação dentro das nossas empresas”, diz o professor da FDC.
Se o sucessor acredita que pode gerir o negócio, a competência virá na sequência, na visão de Sardenberg. A capacidade para a liderança e a gestão são habilidades que podem ser desenvolvidas. Além disso, o sucessor, às vezes, pode ser preparado para ser um bom acionista, sem necessariamente trabalhar no dia a dia na gestão.
Segundo pesquisa retratos de Família da KPMG, realizada em 2018 e atualizada em 2020, a resiliência das empresas familiares tem sido fundamental para a adaptação à nova realidade. No Brasil, 90% das empresas têm perfil familiar, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além de responder por mais da metade do PIB, os family business empregam 75% da mão de obra no País.
O estudo aponta ainda que 23% dos herdeiros não possuem interesse na organização, e 22% não sabem. Quando a questão é sobre o preparo da nova geração para participar da gestão da empresa, 44% acredita que os sucessores não estão preparados.
Na avaliação de Sardenberg, esses números são preocupantes. “O não saber pode ter duas razões: serem muito jovens ou pode ser pela falta de diálogo com a família, a falta de perspectiva e de compreensão das expectativas do sucessor em relação às gerações anteriores”, explica.
Clodoaldo enfatiza que nem sempre os herdeiros estão voltados à atividade empresarial e realmente não tem interesse em atuar na área empresarial. “O efeito pode afetar os negócios, por isso há a necessidade de se planejar a sucessão familiar”, opina.
O professor da FDC acrescenta que é de extrema importância que os integrantes de uma empresa familiar se preparem ao longo da vida para o processo sucessório. “Não dá para deixar essa questão para o último momento, quando o gestor do negócio está em vias de faltar. Na maioria dos casos, o despreparo é o início do fim da empresa”, alerta.
Sucessão é sinônimo de longevidade, de pensar numa organização próspera além da geração do fundador. Mas qual é a melhor hora para iniciar a transição? O professor da FDC acredita que o processo sucessório deve começar cedo, em tempo hábil para a correção de rumos. A sucessão pode iniciar, por exemplo, a partir da criação de uma ação para dar mais liberdade para os herdeiros. “É importante dar autonomia para as novas gerações, para que assumam responsabilidades e sejam testadas. Se não responderem com os resultados almejados, ainda dá tempo de buscar um sucessor, no mercado, sem ligação sanguínea com a família”, complementa.
Sardenberg salienta que passar o bastão não significa sair da empresa, mas sim a ressignificação do papel do fundador dentro da companhia. Quando se tornam conselheiros, os fundadores ocupam outro papel fundamental: pensar em projetos de projetos de expansão, inovação, parcerias estratégicas e, diversificação dos negócios, entre outras questões que fazem parte da agenda de uma organização que visa o crescimento sustentável.
Clodoaldo Oliveira salienta que o olhar do Conselho é sempre à frente, daí a importância da presença do fundador, que conhece seu legado melhor do que ninguém. “A FDC e a JValério, inclusive, estão desenvolvendo um programa de educação continuada para formação de Conselheiros e que será lançado no segundo semestre de 2022 no sul do Brasil”, conta.