Produtividade cresce e mudanças no relacionamento seguem alterando as rotinas, de acordo com o levantamento
Há cerca de um ano e meio, novas formas de trabalho foram impostas em todo o mundo. Com a Covid-19, ações de distanciamento social se tornaram necessárias enquanto as autoridades sanitárias tentavam correr contra o tempo para responder aos impactos causados pela pandemia. Empresas foram obrigadas a se reorganizar em questão de dias para manter o expediente funcionando, o que incluiu o trabalho remoto, conhecido também como home office.
Em sua segunda edição, a pesquisa “Novas formas de trabalhar: as adequações ao home office em tempos de crise” foi a campo no Brasil para entender a fundo o momento que as companhias ainda enfrentam para conter o avanço da pandemia. Realizado pela Fundação Dom Cabral (FDC), em parceria com as empresas de consultoria Emlyon Business School, com sede na França, e Gran Thornton Brasil, o levantamento revelou diversos desafios de adaptação, como mudanças na produtividade e impactos na execução de tarefas e nos relacionamentos com os colegas.
Em comparação ao expediente presencial, a pesquisa constatou que 35% dos entrevistados relataram que o trabalho está “mais produtivo” na modalidade remota (foram 31,7% na pesquisa anterior) e 23,2% responderam estar “significativamente mais produtivos” (contra 12,4% na consulta passada).
As mulheres são maioria nesta percepção. Nas entrevistas, 38% delas declararam que em home office aumentaram a produtividade, número superior ao índice de 33,9% das respostas masculinas. No quesito significativamente mais produtivo, elas mantiveram a dianteira nas respostas: 29,1% contra 18,1% dos homens.
Embora à primeira vista os índices possam surpreender, há outras variáveis que precisam ser levadas em conta. A pesquisa sobre o comportamento durante o home office faz o alerta: “ainda que os patamares de produtividade sejam celebrados em meio às condições desfavoráveis que vivemos com a pandemia, um recente artigo sobre o tema apresentou o lado B do trabalho remoto: o relato do desgaste físico e mental de 94% dos colaboradores nos últimos 12 meses”.
Por isso, no formulário de pesquisa deste ano um dos questionamentos era saber quais estavam sendo os obstáculos e desafios que o trabalho remoto representava. Para 24%, o “volume maior de horas trabalhadas” é a principal problemática que está sendo enfrentada. Outros 16% apontaram a “dificuldade no relacionamento”. O mesmo índice reuniu respostas em torno da “dificuldade de comunicação”. Em quarto lugar, com 14%, ficou lidar com o “equilíbrio entre trabalho e demandas pessoais”. Espaço inadequado (11%), foco e atenção (10%) e infraestrutura limitada (9%) fecharam a lista de respostas.
Para os pesquisadores, percepção de volume e carga horária maiores podem conduzir ou ser fruto de dificuldades na comunicação, pois o que se resolvia em uma conversa no corredor ou em um acesso mais fácil a alguém da equipe, torna-se mais custoso com o distanciamento. “Esta situação pode ser causa ou reflexo do relacionamento mais difícil e, este, por sua vez, pode ser fomentado pelo cansaço presente no maior volume de trabalho” , concluem os pesquisadores.
O levantamento demonstra que o volume de trabalho também pode estar influenciando na dificuldade de manter o foco nas atividades e obrigações a serem cumpridas. Em conclusão, há situações em aberto, como a necessidade de aplicar uma disciplina que mantenha a atenção, algo que nem todos ainda conseguiram incorporar na nova rotina.
Outras respostas da pesquisa traduzem bem esse estado de espírito envolvendo os principais receios quanto ao trabalho remoto. Para 20,6% dos entrevistados, a “perda de convívio” com os colegas emerge como o principal problema. Em segundo lugar, com 15,5% das manifestações, ficou o desafio de uma “carga maior de trabalho na modalidade remota em comparação à presencial”. Outros 13,5% relataram “piora de comportamento diante da falta de convívio”.
Outros receios foram expostos na pesquisa: resistência da gestão ao trabalho remoto (10,6%); possibilidade de não ocorrer alternância entre o trabalho remoto e presencial (10,3%); dificuldade em ter equilíbrio entre a vida pessoal e profissional (9,8%); dificuldade de comprometimento e concentração (7,8%); uso seguro de ferramentas de trabalho remoto (6,3%) e trabalho remoto já era utilizado com temor quanto à continuidade (5,6%).
Diante de uma elevação de preocupações quanto aos efeitos proporcionados pelo trabalho remoto, que passou a depender bastante do apoio de ferramentas digitais, a pesquisa constatou queda no nível de confiança sobre o uso delas no formato home office. Mas também é preciso frisar: os índices positivos permanecem em níveis aceitáveis, mostrando que essas plataformas ajudam a lidar com o espaço adequado em casa para as obrigações profissionais.
De acordo com 54,6% dos entrevistados existia, na primeira pesquisa, realizada em 2020, concordância total com a “eficiência” dos recursos digitais para a execução do trabalho remoto por videoconferência. Na pesquisa atual, feita em 2021, o índice de respostas positivas sobre a eficiência ficou em 44,1%. Já no universo dos que concordavam “parcialmente” na capacidade dos recursos digitais para executar o trabalho em home office, houve crescimento: 44,4% (respostas de 2021) contra 37,2% (entrevistas feitas no ano passado).
Os autores do levantamento quiseram saber ainda, para efeito de comparação, como estava o nível de “confiança no uso dos canais de comunicação digitais”. Nova surpresa. Se em 2020, 57,5% responderam que concordavam plenamente em termos de confiança, neste ano houve recuo, com 46,2% das respostas. Já o item da pesquisa reservado a quem afirmou ter concordado parcialmente com a confiança demonstrada pelos recursos digitais exibiu crescimento neste ano (41,8%) em relação as respostas obtidas em 2020 (32,3%).
“Apesar da confiança nos canais de comunicação digitais permanecer elevada, houve uma migração da confiança total para parcial”, atestam os pesquisadores do levantamento.
Embora tenha havido oscilações, a verificação final, com base nos dados, foi de que “a confiança na utilização dos canais de comunicação digitais para desenvolvimento do trabalho remoto apresentou concordância total ou parcial elevada em 2021, assim como observado em 2020. A discordância total ou parcial aumentou em 0,9 p.p., mas permanece abaixo de 5% das respostas coletas em 2021.”
Diante das respostas verificadas, o equilíbrio entre vida pessoal e profissional ainda é um desafio no trabalho remoto. A questão apresentada no formulário de pesquisa em 2021, que se propôs a explorar o equilíbrio entre as atividades particulares e de trabalho, foi a seguinte: “Eu consegui obter um bom equilíbrio entre vida profissional e pessoal na modalidade de trabalho remoto.” Em 2020, 31,1% das respostas “concordaram plenamente” em ter alcançado o equilíbrio, mas neste ano apenas 18,6% voltaram a confirmar a situação. No item aceitação parcial de um bom equilíbrio entre vida privada e profissional, também houve decréscimo (42,2% das respostas em 2020 contra 34,8% neste ano).
O desgaste emocional é alto. Para 29,9% dos respondentes, há mais cansaço e irritação em relação a 2020 no trabalho remoto. Os que responderam concordar parcialmente com o aumento destas situações ficaram em segundo lugar, com 25,6% das respostas. “Mais da metade dos respondentes concordam total ou parcialmente que se sentem mais irritáveis e cansados em relação ao último ano. Em contrapartida, é possível observar que quase 29% das pessoas discordam total ou parcialmente dessa afirmação, o que sugere uma adaptação ou melhoria de condições de trabalho que reflita diretamente nas percepções de esgotamento com o trabalho”, pondera o relatório da pesquisa.
De acordo com a pesquisa, as pessoas caminham para a adaptação ao trabalho remoto. Mas diante de situações que testam fatores emocionais e conciliação entre o trabalho e a vida pessoal, surgiu uma necessidade estratégica de atenção por parte das companhias, tudo para evitar que as adequações possam ser bloqueadas ou limitadas, prejudicando a relação dos colaboradores com a vida pessoal.
A maior produtividade, finalizou a pesquisa, “não será sustentável sem apoio para a reorganização do tempo e do espaço em termos daquilo que se refere à vida profissional e pessoal. Os resultados desta nova pesquisa, mostram que não podemos nos deixar seduzir pela alta produtividade. Faz-se necessários ajustes nos três níveis: organização, equipes e indivíduos”.
A edição 2021 da pesquisa atingiu 1.075 respondentes no período de 15 a 29 de março. O questionário contou com 22 perguntas, entre questões abertas e fechadas. O perfil das empresas participantes foi este: 24,1% de micro e pequenas empresas, 37,6% de médias empresas e 38,3% de grandes empresas de 23 estados do país, com 75% delas concentradas nas capitais. Os participantes vieram dos segmentos financeiro, educação, construção, consultorias, serviços jurídicos, serviços de contabilidade e auditoria contábil, mineração, metais, serviços de utilidade pública, governamental e ONGs.