Gestão de empresas: Acabou a paciência no comércio eletrônico

14/05/2015
Gestão de empresas: Acabou a paciência no comércio eletrônico | JValério
A série Silicon Valley, do canal pago HBO, traça um retrato irônico e muito vezes realista demais do mundo das startups do Vale do Silício, principal centro da empresas de tecnologia dos EUA, na Califórnia. No seriado, o programador Richard Hendriks, fundador da Pied Piper, discute como ganhar dinheiro com Russ Hanneman, investidor que acabara de aportar recursos na companhia, dona de um premiado e inovador algoritmo de compressão de dados. Ao discorrer sobre um modelo de negócios baseado em assinatura, Hendricks foi interrompido abruptamente por Hanneman, que com voz alterada dá uma lição ao jovem e inexperiente empreendedor. “Por que você vai perseguir um faturamento?”, questiona ele. “Sabe quais são as empresas que valem mais? Aquelas que perdem dinheiro.” O diálogo da dupla Hendricks e Hanneman na ficção joga luzes sobre o modelo de muitos negócios de internet. Irrigados com milhões, às vezes bilhões de dólares, aportados por fundos de investimentos, as empresas pontocom adotam estratégias agressivas de crescimento, deixando de lado a rentabilidade. No médio prazo, só conjugam o verbo crescer, na esperança de achar um comprador que pague caro pelo ativo. Na pior das hipóteses, recorrem à Bolsa de Valores, na tentativa de protagonizar uma abertura de capital bilionária. No entanto, provavelmente isso logo será passado, aqui e lá fora. Há sólidos indícios de que esse estratagema está com os dias contados. Os investidores, ao que tudo indica, perderam a paciência e começam a cobrar a conta, exigindo resultados. Da B2W, dona do Submarino e da Americanas.com, ao comparador de preços Buscapé e da varejista online de artigos esportivos Netshoes, a ordem, agora, é estancar o prejuízo e dar lucro. “O problema do comércio eletrônico brasileiro é a venda parcelada em 12 vezes sem juros”, diz o diretor de um grande fundo de investimento, que já trabalhou numa das maiores empresas online do Brasil. Não se trata, porém, de uma equação fácil de ser fechada. Tome como exemplo a Netshoes, fundada, em 2000, pelo empresário Márcio Kumruian. Desde 2009, a varejista online de artigos esportivos recebeu mais de R$ 600 milhões de investimentos de fundos de venture capital, como Riverwood, IFC, Tiger, GIC, Kaszek e Temasek. No ano passado, a empresa de Kumruian alcançou a emblemática marca de mais de R$ 1 bilhão em faturamento. Embora tenha quebrado essa barreira simbólica, a Netshoes não conseguiu sair do vermelho, com perdas de R$ 93,5 milhões, 30% a mais que em 2013. A varejista online, no entanto, esforçou-se para um resultado melhor, reestruturando todas as suas áreas e implantando metas para todas as divisões. Além disso, a varejista virtual estreou no mundo da moda, com a loja Zattini. “O importante é que estamos certos de que esse é o caminho a ser traçado até o lucro”, diz Leonardo Dib, diretor financeiro da Netshoes. “Neste ano, vamos fechar o balanço com números muito mais interessantes.” O Buscapé, uma das mais bem-sucedidas empresas de internet do Brasil, ilustra também as dificuldades de se chegar ao azul. O fundador Romero Rodrigues seguiu o script de crescer de forma acelerada, adquirindo concorrentes, entrando em novas áreas e investindo em startups. Em novembro do ano passado, a sul-africana Naspers, que comprou a operação por US$ 342 milhões, em 2009, cobrou uma reestruturação cujo objetivo era buscar a lucratividade. Na ocasião, o Buscapé demitiu quase 400 funcionários, fechou o BrandsClub, uma ponta de estoque online de produtos de luxo, e deixou para trás uma série de empresas que havia investido, como o Shopcliq e a Recomind. O meio de pagamento BCash foi incorporado à PayU, outra empresa da Naspers. “Agora é o momento de margem e de resultado”, afirma Rodrigues, CEO global do Buscapé, dizendo que as operações voltaram a operar no azul. “De certa forma, foi até bom, pois antecipamos a crise.” A freada na estratégia de crescimento pelo crescimento pode ser explicada pelo momento em que vive o comércio eletrônico brasileiro. Neste ano, estima-se que as vendas online aumentem 20%, atingindo R$ 43 bilhões, segundo a consultoria ebit. Em qualquer setor e em qualquer parte do mundo, uma taxa de expansão do gênero seria motivo de comemoração. A questão é que no varejo virtual, que cresceu 28%, em 2013, e 24%, no ano passado, a previsão da consultoria se traduz em desaceleração. Além disso, nos últimos anos, surgiram diversas operações online, atuando nos mais diversos nichos, o que tornou a caça ao consumidor virtual ainda mais acirrada. Conclusão: ficou mais caro conquistar novos clientes e mantê-los fieis. E isso teve reflexo na estratégia dos fundos de investimento, que cansaram de aportar recursos e obter poucos resultados. “Há alguns anos, não gostávamos de aportar dinheiro em empresas que não tivessem expectativa de lucro”, afirma Haroldo Korte, diretor executivo do Atomico, fundo de investimento do cofundador do Skype, o sueco Niklas Zennström. Atualmente, o Atomico conta com apenas dois investimentos no Brasil. Uma delas, a Bebe Store, de artigos para crianças, ainda é deficitária. A ConnectParts, que vende peças automotivas, já está no azul. “Se o lucro não estiver no horizonte, nem sequer olhamos para investir”, diz Korte. Embora seja pouco comum, algumas vezes, o empreendedor tenta convencer o investidor a aceitar a redução da velocidade de expansão em prol da rentabilidade do negócio. Foi o caso da Beleza na Web, que vende cosméticos online. Fundada em 2008 pelo paulista Alexandre Serodio, o site operou no azul nos três primeiros anos. Em 2012, ele recebeu investimentos da americana Tiger Global e do argentino Kaszek Ventures. Com o dinheiro, acelerou a expansão e cresceu 60% em 2014, quando faturou R$ 100 milhões. O resultado, no entanto, foram dois anos de prejuízo. “Fui obrigado a sentar com os fundos e conversar sobre minhas metas”, afirma Serodio. “Eles concordaram que era mais interessante ter uma operação mais enxuta, mas que desse lucro.” Na ficção de Silicon Valley, Serodio seria esmagado por seu investidor. No Brasil, ele parece fazer a coisa certa. Acompanhe todos os dias mais notícias e artigos sobre gestão de empresas
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