A hora e a vez das novas gerações nas empresas familiares

16/12/2022
A hora e a vez das novas gerações nas empresas familiares | JValério

Processo sucessório deve começar o quanto antes e herdeiros devem ser preparados para assumir o comando do negócio; conflito de gerações é um dos maiores desafios nas famílias empresárias

A pandemia causada pelo novo Coronavírus gerou uma crise sem previsão para acabar, que ainda foi acirrada por uma nova Guerra Fria, desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, há quase um ano. Inevitavelmente, essas situações colocaram as empresas familiares em alerta. Como sobreviver diante de tantos desafios?

Adriana Solé, professora da Fundação Dom Cabral (FDC), acredita que agora, a cada decisão, é preciso ter cada vez mais diálogo entre todas as instâncias das famílias empresárias, buscando novos pontos de vista e soluções viáveis. “Todos os dias, somos surpreendidos com novas respostas da economia. Todas essas mudanças rápidas estão impactando diretamente os empresários que, na luta por sobrevivência, estão se fortalecendo cada vez mais no setor. Nessa situação, é preciso saber a importância de ter paciência, manter o foco na superação dos obstáculos e, principalmente, separar questões pessoais e profissionais nas organizações familiares”, ressalta Adriana.

Manter a coesão é um dos maiores desafios das famílias empresárias em tempos de crise. Isso porque, de acordo com Adriana Solé, esses negócios possuem uma natureza peculiar: os problemas da empresa estão presentes no almoço de domingo. Uma das dificuldades na gestão da empresa familiar é justamente preservar a relação dos membros da família, sem colocar a empresa em risco.

E quando falamos de empresas familiares, precisamos analisar seus três eixos: desenvolvimento do negócio, que diz respeito à parte jurídica e formal; desenvolvimento de propriedade, relacionado à expansão de sociedade; e o desenvolvimento familiar, em que ocorrem as relações pessoais, as linhas sucessórias e os valores da família.

Nesse sentido, a governança é fundamental para colocar ordem entre os três eixos e garantir o bom convívio entre os familiares no âmbito profissional. “O conselho orienta estrategicamente uma empresa, criando regras e normas a serem seguidas. Mesmo que a empresa familiar seja pequena, é preciso estipular horários, prazos e pautas bem definidas em reuniões, por exemplo”, explica Adriana.

Novas gerações devem ocupar um lugar na mesa

Em um contexto de pandemia, as famílias empresárias perceberam a importância de pensar no futuro e, consequentemente, na profissionalização das próximas gerações que assumirão cargos de liderança. "Se algo acontecer hoje com os gestores, líderes e conselheiros, a empresa estará pronta para passar por isso? Com a sua ausência, a empresa vai conseguir se sustentar?", indaga Adriana. Por isso, segundo ela, é fundamental que a cultura organizacional, os valores e a tradição da empresa sejam transmitidos desde cedo para as gerações mais novas da família, que devem ser envolvidas o quanto antes no negócio.

A importância das novas gerações para as empresas familiares

Se a pandemia teve um lado positivo para as empresas familiares foi o desembarque dos membros das novas gerações nas empresas familiares, como mostra a pesquisa Global NextGen 2022 da PwC. O estudo aponta que 43% dos entrevistados disseram que agora estão mais envolvidos com a empresa que antes de 2020; 36% responderam que a pandemia resultou numa comunicação mais forte com a geração atual; e 43% afirmaram que se sente mais comprometidos com a organização em relação ao período anterior à Covid-19. 

A pesquisa também endossa o que os especialistas apontam como principal desafio para as empresas familiares: o conflito entre as gerações atuais e as futuras. O estudo da PwC revela ainda que 14% dos gestores da nova geração relatam ter recebido um projeto durante a pandemia justamente em razão de um fato atípico que provocou mudanças em toda a sociedade. Outros 45% acreditam ser difícil provar a si mesmo como um novo líder e membro do conselho. Já 57% acham que a hesitação da geração atual em se aposentar é um problema. 

Na Pesquisa Global de Empresas Familiares 2021 da PwC, 30% da geração atual disse que havia um plano robusto de sucessão. Na edição de 2022 do estudo, 61% dos NextGens dizem que a família tem um plano de sucessão. Ainda assim, a geração atual está segurando a coroa: 39% dos NextGens afirmam que há uma resistência na transferência da liderança. 

Para Clodoaldo Oliveira, diretor executivo da JValério Gestão e Desenvolvimento, a pesquisa evidencia que conquistar a confiança dos gestores da geração atual para conseguir implementar um novo modelo de gestão é um processo demorado. “O futuro das empresas familiares pode estar nas mãos das novas gerações, capazes de enxergar que a gestão precisa ser atualizada e que os negócios do passado estarão fadados à estagnação. Os fundadores estão com a faca e o queijo nas mãos: é hora de formar uma comunidade de solucionadores nas famílias empresárias e unir profissionais com habilidades diferentes para tornar as organizações sólidas e longevas”, pontua.

Passagem do bastão

Passar o bastão para os herdeiros é um evento único na vida dos fundadores, que criam um vínculo emocional forte com o negócio, por ser parte da vida deles. “O sentimento nutrido em relação à empresa é como se fosse de mais um filho. Daí a insegurança natural de um pai sobre o futuro de sua prole. O fundador precisa estar 100% seguro de que a empresa estará em boas mãos e que os líderes futuros irão preservar o seu legado e contribuir com o crescimento e expansão do negócio”, acrescenta Clodoaldo Oliveira.

Como desenvolver o planejamento sucessório nas empresas familiares

E neste processo, Clodoaldo enfatiza que é necessário que as lideranças e herdeiros compreendam seus papéis. “O planejamento sucessório deve conter um detalhamento dos aspectos que precisam ser trabalhados e aprimorados pelos novos comandantes do negócio para que eles tenham potencial para liderar rumo ao crescimento”.

E se os fundadores não vislumbraram no time de herdeiros alguém com competência para assumir a gestão, o melhor caminho é buscar alguém no mercado que esteja preparado ou consultores que possam fazer a preparação dos filhos do dono. Aliás, nas famílias empresárias, o progresso da organização se confunde com a ascensão dos próprios filhos. No entanto, nem sempre os herdeiros diretos são os mais capacitados e indicados para assumir o comando. E essa consciência deve fazer parte de todos os envolvidos no processo.

Gestão profissional

A retenção de talentos e tomadas de decisões assertivas também fazem parte de um modelo de gestão robusto e bem-sucedido para qualquer organização, inclusive nas empresas familiares. Mas, para alcançá-los, em alguns momentos, será necessário primar para uma gestão profissional.

A importância da profissionalização da gestão nas empresas familiares

 “Critérios como o laço familiar e a confiança nos membros da família são questões ultrapassadas, que não combinam com o cenário volátil e complexo que estamos vivendo. E ajustar esse mindset é uma questão de sobrevivência para as famílias empresárias. As lideranças precisam ter consciência do que precisa ser desenvolvido nos gestores. E não há mal nenhum em buscar a preparação para que membros da família tenham condição de assumir o negócio. Ajustar técnicas e habilidades comportamentais, chamadas softskills, é necessário para que a organização permaneça competitiva. Mas o mais desafiador, na minha opinião, é sensibilizar as lideranças para que elas compreendam que o mundo mudou e que o ambiente de negócios não é o mesmo. Os fundadores têm grande mérito pela construção da empresa e por ela ter chegado até aqui, mas precisam estar atentos a novas metodologias de gestão para que a organização continue próspera. É isso que garantirá sua perenidade”, alerta Oliveira.

Para Dalton Sardenberg, professor da FDC, é de extrema importância que os integrantes de uma empresa familiar se preparem ao longo da vida para o processo sucessório. “Não dá para deixar essa questão para o último momento, quando o gestor do negócio está em vias de faltar. Na maioria dos casos, o despreparo é o início do fim da empresa”, comenta.

Basta lembrar que estudos apontam que 70% das empresas fecham as portas após a morte do fundador e somente 5% delas chegam à terceira geração. Daí a importância de levar a sério o aconselhamento de Sardenberg.

Propósito

Um senso de propósito além do lucro vale para qualquer organização e não apenas para as empresas familiares. São os compradores que sustentam o negócio.  Mas para sobreviver as marcas precisam de clientes fidelizados e que se tornem seus fãs. Esse não é um processo natural. “Essa é uma preocupação que deve ser maior que o lucro em si. As organizações precisam ser impulsionadas principalmente para contribuir e retribuir para a sociedade e tornaram-se ambientalmente sustentáveis”, descreve Clodoaldo Oliveira.

O propósito nas empresas familiares

Para ele, as famílias empresárias precisam percorrer ainda um longo caminho sobre questões como a implementação da ESG (enviromental, social, governance) que impactam diretamente no propósito de um negócio. “Esse tema ainda não está na agenda das famílias empresárias, mas as lideranças precisam compreender que a uma visão de longo prazo, a preocupação em perpetuar o legado e devolver algo para a comunidade podem garantir a longevidade da empresa. A ESG entrou muito forte com a pandemia e as organizações familiares não sabem como devem incorporá-la para que possam se desenvolver em sintonia com o mercado”, aponta Oliveira.

Legado

O propósito, os princípios e os valores são os alicerces que sustentam as famílias empresárias. São eles que norteiam o legado deixado pelos fundadores e pela geração que está no comando do negócio. É com base neste legado que as lideranças conseguem projetar o crescimento das empresas. Por isso, perpetuá-lo é uma questão essencial para a longevidade das empresas familiares.

Como manter o legado nas empresas familiares

Clodoaldo de Oliveira, salienta a importância do binômio “família-legado” nas famílias empresárias que desejam contribuir com a sustentabilidade do negócio ao longo das gerações. “O legado é a marca, o ensinamento deixado pelos antepassados na criação e condução do negócio. E todos esses atributos devem ser reconhecidos e respeitados pelos herdeiros”, depõem.

Formação continuada

Outra questão que os fundadores e herdeiros precisam compreender é que não é preciso ser um líder nato para se destacar em postos de comando. A liderança é um conjunto de valores e ações que pode ser desenvolvida em cursos de formação continuada, que priorizam o desenvolvimento pessoal, além de conhecimentos técnicos sobre gestão, por exemplo.

Programa de especialização em gestão para empresas familiares
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