Organismos em coevolução: Como empresas e seres vivos se comparam?

08/11/2016
Organismos em coevolução: Como empresas e seres vivos se comparam? | JValério
Embora muito se fale de competição empresarial, a verdade é que as organizações vivem num ambiente em que precisam cooperar com outras empresas e até com seus competidores. Quando cooperam, umas forçam as outras a se tornarem melhores e, assim, também evoluem (coevoluem). A biologia começou a desvendar a forma de interação evolutiva dos organismos no século 19, mas só na década de 1970 a administração entendeu que seus organismos também evoluíam. Isso se deu com a chamada “teoria da contingência”, que superou a “teoria dos sistemas”, ao explicar não apenas como são as organizações, mas também como elas evoluem. O termo “organismo” pode perpassar diversas ciências e ser analisado como algo que coexiste num ambiente com outros similares e, portanto, precisa cooperar e competir. Isso forma um híbrido chamado de “coopetição”, que força um movimento de adaptação (coevolução). Porém, mesmo existindo similaridades entre organismos vivos e organismos sociais, o processo se dá por meios diferentes – de um lado, movido pela cadeia do ADN (ácido desoxirribonucleico) e, de outro, por ideias, culturas, pessoas, tecnologias e processos. Isso implica processos diferentes de seleção, mutação, reprodução, formação de ecossistemas e extinção. Seleção e coevolução  A velocidade de evolução depende da pressão competitiva – onde ela é mais forte, apenas os mais adaptados ou ajustados ao mercado sobrevivem. Existe assim um mecanismo de seleção. No mundo animal temos muitos exemplos desse fenômeno. Entre animais que caçam uns aos outros, numa determinada geração, apenas as presas mais rápidas sobrevivem sem ser devoradas e somente os predadores mais rápidos não morrem de fome. A geração seguinte é ainda mais rápida. No campo das organizações a realidade não é menos cruel. Na década de 1990, muitas empresas adotaram tecnologias de qualidade total, o que gerou uma vantagem competitiva sobre as demais, forçando-as também a adotarem programas semelhantes. Hoje, vinte anos depois, quase todas as empresas possuem um sistema de GQT e isso não é mais um diferencial. Ou seja, elas coevoluíram. As que não o fizeram, foram “selecionadas negativamente”, como diria um biólogo – ou seja, foram extintas. Outro bom exemplo foi a introdução do modelo de Shopping Center, a partir da década de 1980, que ocupou o nicho de mercado do comércio convencional, forçando muitas lojas de rua a coevoluírem para se transformar em âncoras de shoppings. Muitos pequenos comércios fecharam as portas, grandes cadeias de lojas desapareceram (como as Lojas Brasileiras), algumas se adaptaram (como a C&A e Lojas Americanas) e estas sobreviventes tiveram seus modelos copiados, num processo de reprodução que um biólogo descreveria como inexistente entre os seres vivos. A década de 2010 registra a incorporação de várias “mutações benéficas”, como a governança, sistemas de indicadores, sistemas de ERP e sustentabilidade. As empresas que não se adaptarem, incorporando essas mutações, correm sério risco de virar fósseis. Algumas dessas mutações decorrem de crises, que forçam a adaptação de forma similar a uma mudança no ambiente. Sem crises, a evolução seria mais lenta. O mesmo processo ocorre no nível do indivíduo. Uma nova tecnologia pode expulsar um profissional do mercado ou limitar bastante seu escopo de atuação, se ele não conseguir dominá-la. Os MBA, raros duas décadas atrás, hoje são quase obrigatórios. Assim como as empresas, os indivíduos também coevoluem. Em alguns mercados, a pressão evolutiva diminuiu por terem sido protegidos. O agronegócio de pequena escala na França, o mercado de aço nos EUA e os bancos japoneses são exemplos de como a proteção governamental induziu a um comodismo que resultou em estagnação e ineficiência. Em outros casos, surgem monopólios naturais, como água, esgoto, gás encanado e a distribuição de energia elétrica. Existem ainda aqueles que tendem ao monopólio se não houver regulação governamental, como bancos e telecomunicações. Esses exemplos nos lembram de que nem sempre a competição é perfeita. Se fosse, os neoliberais estariam certos e a competição levaria a uma autorregulação também perfeita. Mas, o fato de que os neoliberais nem sempre estão certo, não significa que estejam sempre errados. A competição é benéfica no sentido de gerar a coevolução e ela existe em todos os mercados, em diferentes níveis. Os estadistas, interventores ou conservadores – seja qual for a denominação para o oposto de neoliberal –, também estão errados quando preconizam uma excessiva regulação em todos os mercados. É justamente essa proteção que leva a distorções como a de empresas estatais superprotegidas, com monopólios cativos. O difícil está justamente em achar o ponto ideal de competição, e não em adotar um extremo ou outro. Mutações e inovações  Isso tudo nos leva a uma pergunta: como se dá a evolução e quais as formas mais difíceis de serem copiadas, que nos permitem uma vantagem comparativa duradoura? O equivalente organizacional das mutações são as inovações, através das quais as empresas se diferenciam. Existem cinco tipos de inovação: novos mercados; novos produtos; novas formas de organização; novas formas de produção; novas fontes de matéria prima. Um novo mercado é obtido quando se procura exportar, buscar um novo nicho de mercado ou um segmento não atendido, como o de produtos para animais de estimação e de cirurgia plástica para a classe média. A estratégia do Oceano Azul se baseia fortemente nesta busca por novos mercados. Um novo produto pode surgir de uma nova tecnologia, como a máquina fotográfica digital, a computação em nuvem ou a simples percepção de que tecnologias já existentes podem ser utilizadas de novas formas (caso dos tablets). Esse tipo de inovação pode ser sistematicamente perseguido por departamentos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Uma nova forma de organização pode ser um novo arranjo produtivo. As sociedades anônimas e as lojas de departamento surgiram no século 19, enquanto o século 20 foi marcado pelas transnacionais, joint ventures e Shopping Centers. Hoje, estamos testando organizações descentralizadas e virtuais. As formas bem-sucedidas são rapidamente copiadas e se espalham, eliminando outras menos adaptadas. Uma nova forma de produção tem como exemplos históricos o Fordismo e o Toyotismo, mas também podemos citar a robotização e automação nos negócios. O tema sustentabilidade pode ser contemporaneamente colocado nessa categoria, tornando este tipo de inovação crucial para o futuro das organizações. Tivemos duas novas fontes de matéria-prima que se destacaram no século 20: o alumínio e o urânio. Recentemente, houve a introdução do tântalo e do nióbio como fontes importantes. O código genético do ADN e os novos materiais de nanotecnologia também podem criar novas possibilidades. Nenhuma dessas inovações cria uma vantagem definitiva para uma organização, pois assim que demonstra ser útil e valiosa, começa a ser copiada. Nesse contexto, emerge a lógica de ter uma empresa com capacidade de inovação constante. Embora cada inovação possa ser finita ao longo do tempo como vantagem, uma sucessão de inovações pode durar mais tempo. Ao contrário de seus similares biológicos, os organismos sociais podem tomar a decisão de gerar mutações. Um biólogo nos diria que as mutações nem sempre são benéficas e, algumas vezes, prejudicam o indivíduo. Isso nos impõe o dilema de que para aprender é preciso estar disposto a errar. O sujeito que erra pela vida afora vai se tornando um sábio. Os erros podem custar caro, mas ainda assim fazem parte do processo de evolução. Reprodução e diversidade  Os organismos vivos se reproduzem de várias formas. As organizações nascem por processos diferentes, mas tentam copiar e melhorar as formas já existentes, aprendendo com os erros dos antecessores e os superando. Não existe um ADN nas organizações, mas existem culturas, ideias, pessoas, estruturas, tecnologias e processos. As organizações têm escolhas que podem ser vistas como parte do ciclo de vida das organizações, algumas delas com similares biológicos. No entanto, a vida de uma empresa se parece mais com a de uma coletânea de indivíduos, do que a de uma pessoa isoladamente, pois no fundo este é um melhor comparativo. As organizações precisam coevoluir, mas isso depende de fatores externos e da capacidade de aceitarem novas formas de ver o mundo. O que impõe também uma diversidade de pensamento, análoga à diversidade genética da Biologia. Uma empresa com pouca diversidade – normalmente dominada por profissionais como engenheiros, advogados ou médicos –, enfrenta maiores dificuldades, pois seu padrão de pensamento e forma de ver o mundo é muito arraigado. A diversidade genética é vista como um sinal de adaptabilidade e saúde. Nas organizações, a diversidade de culturas, ideias e profissões pode ser percebida como garantia contra o engessamento mental e a capacidade de se adaptar às futuras necessidades. Estruturas, tecnologias e processos devem ser flexíveis para se adaptar. Raramente, a manutenção de padrões fixos por longo espaço de tempo será uma boa prática. A melhoria incremental de processos não garante a adaptabilidade, pois uma mudança radical pode ser necessária. A alta capacidade de inovação pode não ser suficiente para acompanhar uma forte mudança do mercado. Exemplos do passado – como Xerox, IBM, Kodak e Microsoft –, mostram que empresas de tecnologia não percebem certas mudanças críticas em seu ambiente e entram em crise. Nesses exemplos, as empresas falharam em perceber importantes mudanças no seu ambiente e acabaram tendo de fazer a adaptação de forma corretiva, perdendo a chance de liderar a nova onda de inovação. Nas organizações onde não existe o ADN, a evolução não precisa da reprodução, pois acontece de outras formas, mas a lógica da diversidade continua existindo mesmo que com características diferentes. Ecossistemas e rede Esse ciclo evolutivo favorece mais a formação de redes e interações cooperativas,do que a competição em si, que surge da necessidade de se forçar uma evolução. As organizações cooperam com seus stakeholders. Como cada um deles tem interesses diferentes, a empresa acaba tendo de se adaptar e resolver todos os conflitos, o que gera tensão dentro da organização. Forma-se uma teia de relações em que todos precisam evoluir juntos – a evolução de alguns força os demais a coevoluírem. Por isso, as empresas precisam prestar mais atenção nos clientes do que nos produtos. Surge daí a lógica de orientação para o mercado, que domina o marketing e que gerou a teoria da OPM (Orientação para o Mercado) em estratégia. A comparação mais simples com a Biologia é a cadeia alimentar. Nos negócios, o termo mais apropriado é “cadeia de valor”, com uma lógica diferente da biológica. Uma das grandes distinções entre essas duas lógicas é que não existe a predação no mercado – e sim agregação de valor. Por isso, certos fornecedores podem ser incorporados à cadeia produtiva assim como certos clientes. Mesmo sem a integração, é forte o estímulo para a cooperação e, em alguns casos, mais poderoso do que o estímulo para a competição. O verdadeiro competidor é aquele que quer vender para seu cliente junto com você, mas mesmo aí pode haver situações de cooperação mutuamente benéficas, como parcerias, alianças e joint ventures. A economia forma uma rede de relações similar a um ecossistema, no qual cada organização tem seu papel e precisa evoluir juntamente com o restante do ecossistema econômico. O sistema não tem um propósito ou grande plano. Enganam-se os que acham que o sistema econômico tem um agente principal. Cada indivíduo ou organização no sistema tem apenas um propósito – sobreviver. Por isso, geralmente são egoístas e buscam as melhores chances de sobrevivência em detrimento dos outros e do próprio sistema. A soma de todos os egoísmos gera uma tensão que força a evolução. Um biólogo diria que não deveríamos nem mesmo falar de evolução, pois isso indica um falso sentido de melhoria. Na verdade, o sistema muda quando se torna diferente e mais sofisticado, aumentando sua complexidade. O sistema econômico e seus componentes são mais sofisticados hoje do que no passado. As primeiras empresas eram companhias de comércio e os governos apenas reinos simples, que tinham a Casa da Moeda como principal agente regulador. A economia moderna evoluiu para sistemas bem mais complexos e difíceis de entender. Apenas anos de experiência ou de estudo de negócios permitem uma melhor compreensão do sistema. Extinção e sustentabilidade  A sobrevivência pode ser indicada como o principal objetivo, pois sem ela nada mais resta. Os organismos precisam coexistir no seu ecossistema em constante mudança e crescente complexidade. São raras as empresas que conseguem sobreviver mais de cem anos. A mais antiga organização que ainda existe é provavelmente a Igreja Católica, com cerca de dois mil anos. Isso nos mostra que a maior parte das organizações fracassa em sua tarefa de sobreviver. A questão da sobrevivência nos leva à sustentabilidade, mesmo que não seja pelo impulso altruísta de ajudar o mundo, mas pelo motivo imperioso de continuar existindo, ou seja, por puro egoísmo. Hoje o tema da sustentabilidade já faz parte da agenda de muitas empresas, mas a questão nos leva às vezes a pensar apenas no planeta ou na sociedade, quando este não é o ponto principal, mas apenas uma consequência. A questão central é como a empresa pode sobreviver e sustentar o seu negócio no futuro. Isso pressupõe ter um mercado sustentável para vender seus produtos e contar com fontes de energia e matérias primas sustentáveis com as quais possa produzir bens e serviços. O risco de não conseguir atingir um modelosustentável é deixar de existir, e isso pode ocorrer por diversos motivos. Práticas antiéticas que destroem a confiança podem fazer uma organização desaparecer, como vimos acontecer no final dos anos 1990. Operações com risco excessivo podem levar a um modelo de insolvência, como ocorreu na crise de 2007-2008. Nessas duas ocasiões, os governos foram obrigados a tornar seus sistemas de controle mais complexos, para evitar que problemas similares ocorressem novamente. Afinal, essas não foram as primeiras e nem serão as últimas crises do sistema. O que choca muita gente é que como o sistema é interligado, todos pagam pela extinção de um membro da rede. O mesmo ocorre em ecossistemas complexos. Tanto as cadeias de alimentos quanto as cadeias de valor são sensíveis a esses choques, que provocam correções mais abruptas do que suaves. O que pode colaborar para a sustentabilidade de longo prazo é a robustez da estratégia organizacional. Ter várias fontes de receita e insumos, de forma que, mesmo que uma fonte desapareça, é uma maneira de garantir a sobrevivência. Na Biologia, essa estratégia é conhecida como generalista e se opõe à estratégia especialista, na qual se depende de uma única fonte de alimento e habitat, criando com isso um nicho determinado. A situação de optar por uma estratégia, generalista ou especialista também pode ser vista como uma escolha entre alto risco e alto retorno (especialista) e baixo risco e baixo retorno (generalista). A história da Biologia mostra que as espécies generalistas tendem a ser mais longevas, como formigas, baratas, crocodilos e tubarões, enquanto as especialistas têm vida curta. Na história das organizações temos exemplos longevos de empresas generalistas, que vivem de mercados ao consumidor com ampla base de clientes, como as religiões, cervejarias, varejo, comércio de longa distância e bancos. Esses elementos já estavam presentes na Suméria (onde surgiu a primeira civilização), nos primeiros registros de atividade econômica. Sua empresa não precisa existir do mesmo jeito para sempre, ao contrário, ela precisa mudar. E você não precisa ficar nela a vida toda, ou muito menos na eternidade. Se a estratégia é generalista, vale mais a pena criar estruturas e culturas flexíveis. Já se a estratégia é especialista, mesmo que a empresa tenha em mente que um dia vai desaparecer, antes pode se transformar num grupo ou holding, com diversos especialistas, o que não deixa de ser uma estratégia generalista. Conclusões As organizações vivem num sistema de complexidade crescente, chamado de economia, e para sobreviver nele devem mais cooperar do que competir. Também precisam coevoluir para se adaptar aos seus stakeholders. Essa evolução só pode ser atingida com a maior diversidade de pessoas, culturas, ideias, estruturas e tecnologias flexíveis. O risco de não evoluir é deixar de existir, o que impõe o desafio da sustentabilidade. Existem duas estratégias básicas de sobrevivência empresarial: a generalista e a especialista. A generalista tem mais sucesso no longo prazo, enquanto a especialista se adapta melhor à busca da sustentabilidade, com a formação de grupos, conglomerados e holdings. As organizações são organismos sociais que têm algumas semelhanças com os organismos vivos, mas também apresentam diferenças claras e as comparações nem sempre são fáceis. A análise dos contrastes costuma ser mais útil do que a simples analogia. Fonte: FDC
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