Operação Zelotes investiga corrupção no ‘tribunal’ da Receita

30/03/2015
Operação Zelotes investiga corrupção no ‘tribunal’ da Receita | JValério

PF estima fraude em R$ 19 bi. Empresa de Gerdau, Banco Safra e ex-secretário estão entre alvos.

  Com 41 mandados de busca e apreensão — 24 em Brasília, 16 em São Paulo e um no Ceará —, a Polícia Federal (PF) iniciou ontem operação para desarticular uma organização suspeita de fraudar julgamentos de processos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), do Ministério da Fazenda. Os mandados alcançaram bancos, empresas, lobistas e integrantes do conselho, acusados de envolvimento em uma estrutura de corrupção e sonegação fiscal, cujos desvios podem chegar a R$ 19 bilhões. Batizada de Zelotes, a operação tem entre os investigados uma das empresas do empresário Jorge Gerdau Johannpeter, que, até recentemente, era coordenador da Câmara de Gestão e Planejamento do Governo Federal. Nas buscas em São Paulo, os policiais federais apreenderam documentos e computadores na sede do Banco Safra, na Avenida Paulista. O Carf é o tribunal administrativo que julga todos os autos de infração e processos administrativos que envolvem tributos federais. O conselho tem em mãos mais de dez mil processos que envolvem decisões sobre bilhões de reais. Ele é composto de mais de 200 conselheiros, sendo a metade deles auditores fiscais indicados pelo Ministério da Fazenda e a outra metade representantes de entidades de classe como a Confederação Nacional do Comércio (CNC). Cada conselheiro tem mandato de 3 anos e não recebe remuneração adicional por esse serviço. Propina de 1% a 10% da multa devida São dez conselheiros do Carf investigados, entre eles, Francisco Maurício Rebelo de Albuquerque Silva, pai do deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), líder do PP na Câmara. O ex-secretário da Receita Federal e ex-presidente do conselho Otacílio Cartaxo e seu genro Leonardo Manzan são suspeitos das fraudes. Foram apreendidos documentos na sede do Carf, na casa de conselheiros, advogados e lobistas suspeitos de envolvimento nas fraudes. Até o fim da tarde de ontem, a polícia apreendeu R$ 2 milhões em espécie. Pelas investigações da PF e do Ministério Público, representantes de empresas e bancos pagavam propina para conselheiros do Carf atrapalhar o andamento de processos fiscais e, com isso, reduzir ou mesmo eliminar multas e somas expressivas de impostos devidos e não pagos. O valor da propina, conforme a polícia, poderia variar de 1% a até 10% das multas a serem pagas. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), os crimes já denunciados envolvem o desvio de aproximadamente R$ 2,1 bilhões, enquanto os prejuízos podem chegar a cerca de R$ 5 bilhões. O esquema teria sido iniciado em 2005, mas começou a ser investigado pela PF em 2013. Só nos últimos dois anos, mais de 70 processos suspeitos foram identificados. Nove deles foram encerrados e extinguiram cerca de R$ 5 bilhões do montante de créditos tributários lançado pela fiscalização da Receita. Empresas do ramo bancário, siderúrgico e automobilístico são investigadas por contratar consultorias que tinham influência junto ao conselho e conseguiam controlar o resultado de julgamentos de forma a favorecê-las. A suspeita é que conselheiros cooptados manipulavam o andamento de processo, pedindo vistas e apresentando teses de maneira complexa e bem fundamentada para evitar decisão desfavorável às instituições. — Percebemos que havia uma questão endêmica para fazer o patrocínio de interesses privados se utilizando de serviços públicos. A partir de agora, vamos tentar casar informações financeiras com movimentações processuais para fechar melhor as investigações sobre as pessoas investigadas — afirmou o delegado Marlon Oliveira Cajado. Pelas investigações, as fraudes eram negociadas por intermediários de conselheiros e das empresas. As duas partes evitam contatos diretos. As propinas eram pagas disfarçadas de honorários advocatícios ou de consultorias. Nos casos mais graves, investigadores chegaram a cogitar pedido de prisão dos investigados. Mas o juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal, entendeu que as prisões seriam desnecessárias no momento. A função do Carf é julgar recursos em que contribuintes questionam a cobrança de tributos, multas e juros. Para o procurador Frederico Paiva, que está à frente das investigações, a formação do conselho é frágil e facilita atos de corrupção. — É preciso repensar esse modelo, basta cooptar um conselheiro do Ministério da Fazenda, por exemplo, que você já tem um julgamento favorável ao contribuinte — afirmou o procurador. O Banco Safra informou que não se manifestaria sobre a operação em sua sede. Fazenda instaura processos administrativos Procurado pelo GLOBO, o empresário Jorge Gerdau disse, por intermédio da assessoria de imprensa da empresa, que não recebeu qualquer informação das autoridades sobre o caso. “A Gerdau esclarece que, até o momento, não foi contatada por nenhuma autoridade pública a respeito da Operação Zelotes”, afirmou em nota ao jornal. No texto, o empresário diz ainda que a Gerdau “também reitera que possui rigorosos padrões éticos na condução de seus pleitos junto aos órgãos públicos”. Gerdau foi até recentemente presidente da Câmara de Política de Gestão. No primeiro mandato, foi um dos principais conselheiros da presidente Dilma Rousseff. O empresário teria pedido afastamento da câmara em dezembro. Mas no final do mês passado ele teve encontro com a presidente ainda na condição de coordenador da câmara. A câmara, vinculada ao Conselho de Governo da Presidência da República, foi criada em 2011 com o objetivo de aprimorar a gestão, com propostas de redução de custos, racionalizando processos e serviços prestados à sociedade. A assessoria do deputado Eduardo da Fonte informou que ele não vai comentar sobre o assunto. Procurado, o Ministério da Fazenda se manifestou em nota, na qual informa que a Corregedoria-Geral da Fazenda e a Receita são partes atuantes do processo de investigação, em parceria com o Ministério Público e a Polícia Federal: “Estão sendo instaurados os processos administrativos disciplinares, sindicâncias patrimoniais e processos administrativos de responsabilização contra as empresas envolvidas (nos termos da Lei 12846, de 2013, conhecida como Lei Anticorrupção). Essas ações tem em vista à aplicação das medidas punitivas pertinentes, sem prejuízo da eventual responsabilização civil e penal.” A Fazenda destacou também uma série de reformas nos processos internos do Carf para dar mais transparência ao órgão. Zelotes combatiam cobrança de impostos A operação foi buscar seu nome na Antiguidade. Os zelotes eram um grupo criado na Judeia no ano 6 d.C. para combater a ocupação romana na região, mais especialmente a cobrança de impostos por Roma. O historiador judeu Flávio Josefo (37-100) os classificava como “quarta seita” do judaísmo, ao lado dos fariseus, dos saduceus e dos essênios, embora o Talmude — um dos livros sagrados do judaísmo — e historiadores posteriores não os identifiquem como grupo religioso à parte. Os zelotes, cujo nome vem da palavra grega para fanático, pregavam ataques contra romanos e gregos, fossem militares ou civis, e mesmo contra judeus acusados de colaboracionismo. Durante a grande revolta contra a ocupação romana, em 66 d.C., o grupo teve papel de destaque, chegando a controlar a capital, Jerusalém, até ela ser tomada e destruída pelas legiões do general Tito, em 70 d.C. Segundo o Evangelho de Lucas e os Atos dos Apóstolos, ao menos um dos seguidores mais próximos de Jesus, Simão, o Zelote, seria originalmente integrante do grupo. POR WASHINGTON LUIZ E JAILTON DE CARVALHO - Jornal O Globo
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