InfoMoney – IEbitda e FCO não são a mesma coisa: saiba como usá-los e evite problemas com balanços

13/10/2015
InfoMoney – IEbitda e FCO não são a mesma coisa: saiba como usá-los e evite problemas com balanços | JValério
Um comum equívoco no mercado é a comparação entre os efeitos de uso desses dois indicadores, quando, na verdade, representam escalas muito distintas de uma régua para comparação entre companhias SÃO PAULO - Em tempos de temporada de balanços corporativos, muitas dúvidas pairam sobre a cabeça de investidores de primeira viagem ou até mesmo alguns mais experientes. Como saber se o resultado anunciado pela companhia em que você investe foi realmente tão bom como parece ou como avaliar se o negócio continua saudável com o passar dos trimestres? Para avançar na resposta dessas perguntas, é preciso entender o significado real e utilidade de alguns dos principais indicadores usados pelos analistas de mercado na avaliação da situação das empresas da Bolsa. Neste post, falaremos um pouco mais sobre as diferenças entre o Ebitda e o fluxo de caixa operacional, duas variáveis importantes que podem causar muita confusão se usadas da maneira equivocada e, ao contrário do que muito se imagina, não deveriam ser comparadas. Vamos começar pelo primeiro. Conforme relatam estudos acadêmicos, o Ebitda (Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization) - ou Lajida (Lucro Antes dos Juros, Impostos, Depreciação e Amortização), em português - ganhou mais importância no mercado na medida em que o mercado globalizado avançou e a transparência no oferecimento de dados sobre a saúde das empresas passou a ser mais demandada pelos investidores. Segundo o professor de finanças da Universidade Federal do ABC Ricardo Buscariolli, o indicador ficou famoso em meados dos anos 80, quando processos de fusões e aquisições ficaram mais comuns. Foi, portanto, mais por pressão do mercado do que por ofensivas regulatórias dos órgãos responsáveis. "Compradores de empresas alavancadas, que estavam em dificuldades e precisavam de reestruturação financeira, queriam uma medida rápida para avaliar se a empresa poderia ou não pagar suas dívidas. O Ebitda, neste contexto daria uma medida da capacidade da empresa pagar suas dívidas onerosas (financeiras) após a reestruturação. Por exemplo: se uma empresa tem uma dívida financeira de R$ 5 milhões e um Ebitda de R$ 10 milhões, a taxa de cobertura é de 2, ou seja, ela supostamente teria um bom potencial de pagamento de suas dívidas financeiras", explica Buscariolli. 15957_2_L Do mesmo indicador nasce uma variável que deixa essa relação com o endividamento ainda mais clara: a margem Ebitda, obtida a partir da divisão do Ebitda pela receita líquida de vendas. "A ideia é que quanto maior o Ebitda maior a capacidade de empresa de pagar o custo de recurso oneroso (dívida financeira)", complementa o professor. Muitos especialistas que defendem o valor desse indicador destacam que, ao ignorar o pagamento de juros, impostos e outras despesas, ele melhora a qualidade da informação transmitida sobre a real performance da empresa. Além disso, o Ebitda procura expurgar justamente os efeitos do poder de decisão do gestor sobre pagamento de juros ou até situações de créditos tributários ou perdas do passado, além de possíveis influências por medidas supostamente arbitrárias nos métodos adotados para se calcular depreciação. Com isso, ter-se-ia a possibilidade de análises menos enviesadas e ampliaria as possibilidades de se comparar empresas do mesmo setor. Os pontos fracos do Ebitda No entanto, como qualquer régua, o Ebitda também traz seus vícios e requer cuidados especiais. Um bom exemplo pode ter sido dado pela manipulação do dado no famoso caso da companhia americana WorldCom, que assumiu em 2002 que tratou de maneira errônea o volume de US$ 3,8 bilhões em determinadas despesas operacionais, que foram classificadas no balanço como despesas de capital - o que eliminou sua dedução do Ebitda e provocou um mentiroso estouro do indicador. O caso ficou conhecido como uma das maiores fraudes contábeis da história do mercado financeiro. Segundo Buscariolli, isso ocorre pelo fato de o Ebitda fazer parte de regime de competência, o que pode ser facilmente administrado. Outra limitação do Ebitda é não levar em consideração o capital de giro de uma companhia, quesito de suma importância para a manutenção de um quadro saudável para o modelo de negócio. "Se uma empresa crescer muito, ela vai precisar elevar as condições de investir para manter as capacidades", explicou o especialista. Por fim, Buscariolli lembra que o indicador pode prejudicar uma análise sobre companhias mais alavancadas. "Divulgar o Ebitda pode ser positivo para empresas endividadas que querem mostrar um retrato melhor do que o real em termos de lucratividade", diz. Fluxo de Caixa Operacional: o mais fiel em valuation Já o fluxo de caixa operacional, costuma ser uma das principais variáveis para o valuation de uma companhia - isto é, o estudo que avalia o valor das empresas no mercado. É a medida sobre o montante gerado pelas operações normais de uma companhia a partir da entrada e saída de recursos, excluindo-se itens não caixa, tais como depreciação e amortização. "Ele indica se a empresa é capaz de gerar recursos para manter seu crescimento e operações, bem como sua necessidade de financiamento externo", explica Buscariolli. O professor lembra que muitos defendem o uso desse indicador por conta de sua capacidade de expurgar distorções contábeis, próprias do regime de competência, que podem distorcer a análise da empresa. Tais distorções podem levar a sérios equívocos na avaliação do valor de companhias. "Uma empresa pode efetuar uma venda por um valor muito alto. O comprador não paga à vista. Essa empresa pode ter dificuldade de efetivamente receber pela venda. No entanto, a receita será reconhecida, mesmo não representando um efetivo recebimento. Por outro lado, há empresas que tem um fluxo de caixa alto mas uma lucratividade baixa por terem muitos ativos fixos, o que pode implicar em altos valores de depreciação", exemplificou. Buscariolli também ressalta que, apesar da relevância do FCO, a Demonstração dos Fluxos de Caixa só passou a ser de apresentação obrigatória para todas as sociedades de capital aberto (ou com patrimônio líquido superior a R$ 2 milhões) a partir de 2008, com a Lei 11.638/2007. A demonstração divide-se em três campos: operacional, de investimento e de financiamento. Ebitda x FCO: como saber quando usar cada um? Um comum equívoco no mercado, sobretudo cometido por investidores com menor experiência, é a comparação entre os efeitos de uso de Ebitda e FCO, quando, na verdade, os dois representam escalas muito distintas de uma régua para comparação entre companhias e investimentos. Cada uma aponta para pontos específicos dentro de uma realidade de diversos indicadores e interpretações possíveis. Ricardo Buscariolli lista cinco pontos sobre a relação entre os dois indicadores: O FCO é uma medida mais adequada para avaliar o valor da empresa. O Ebitda pode ser uma medida mais interessante para comparar empresas dentro de um mesmo setor. O Ebitda não é um substituto para o FCO. 1) O Ebitda não substitui o FCO: o Ebitda não leva em consideração o capital de giro (o dinheiro necessário para cobrir as atividades do dia a dia). Esse investimento em capital de giro é ignorado no EBITDA e considerado explicitamente no fluxo de caixa. O Ebitda não leva em conta o Capex (em português: despesas de capital ou investimento em bens de capital). 2) Ignorar a depreciação e a amortização tem vantagens mas as desvantagens são grandes: o Ebitda pode fazer parecer que uma empresa faz mais dinheiro do que realmente faz para pagar juros justamente por excluir a depreciação e amortização. Depreciação e amortização não são itens de caixa mas não podem ser evitados indefinidamente. 3) A receita utilizada para calcular o Ebitda pode ser administrada e isso distorce a medida. 4) Em uma fusão ou aquisição o Ebitda pode ser uma medida interessante no caso de uma aquisição por meio de um leveraged buyout. 5) Para comprar empresas da mesma indústria o Ebitda é uma medida interessante. Alguns setores exigem investimento em infraestrutura com um período de payback longo. O Ebitda é legal por justamente não levar em conta esse tipo de despesa. Para avaliar empresas individualmente o FCO é, no entanto, mais adequado. O caso da WorldCom é bem emblemático pois por justamente ter classificado despesas como Capex de forma errônea, assim aumentando seu Ebitda artificialmente. O FCO teria medido esse tipo de distorção. *Ricardo Buscariolli possui graduação em Administração pela Universidade de São Paulo (2005), mestrado em Economia de Empresas pela Fundação Getulio Vargas - SP (2009) e doutorado em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (2014). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do ABC. Tem experiência na área de finanças, atuando principalmente nos seguintes temas: empirical asset pricing, estrutura de capital e asset pricing and liquidity risk.
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