Família, família, negócios à parte

04/10/2021
Família, família, negócios à parte | JValério

Um dos atributos da governança corporativa é implementar plano de sucessão familiar e manutenção do legado com vistas à longevidade das empresas familiares

A combinação de patrimônio, relações familiares e negócios pode ser um prato cheio para a geração de conflitos. Por isso a gestão das famílias empresárias é tão peculiar. No Brasil, apenas 25% das empresas com essa origem conseguem ultrapassar a barreira da terceira geração dos fundadores e alcançarem a longevidade, segundo o Sebrae. A 10ª Pesquisa Global sobre Empresas Familiares 2021, da PwC, destaca ainda que somente 24% das empresas brasileiras de controle familiar tem um plano de sucessão formalizado.

 Daí a importância de se investir em instrumentos de governança corporativa, que além de formalizar regras de conduta, acordos societários, transparência nas transações financeiras e balanços, trata do processo da passagem do bastão. O planejamento sucessório, inclusive, é encarado por especialistas como um divisor de águas que pode definir o futuro da organização, para o bem e para o mal.

“As empresas que adotam a governança no começo da sua vida têm mais chances de sucesso, porque conseguem antever questões críticas, como a sucessão familiar. Como será quando novos membros chegarem ao negócio?”, questiona Eduardo Valério, presidente da JValério Gestão e Desenvolvimento.

Ele ressalta que o plano de sucessão evita problemas quando os membros querem ocupar uma cadeira na organização fundada por seus antepassados ou quando confrontam as decisões da atual gestão. “Em paralelo ao crescimento da companhia, há o crescimento da família e, obviamente, o desejo dos fundadores é que os descendentes integrem a empresa e a gestão. Algumas vezes, eles são surpreendidos pelo interesse dos novos herdeiros das famílias dos sócios, com sede de mudança. É aí que surgem os choques de gerações. Os atritos podem ser prevenidos por um plano sucessório. Uma transição bem-feita potencializa a performance da empresa e quanto mais cedo começar melhor, afirma.

Valério acrescenta que os conflitos fazem parte da natureza das famílias empresárias, o que explica a complexidade do processo sucessório. “Os fundadores possuem um vínculo emocional com o negócio e os consideram como mais um filho. Trata-se de uma relação pessoal e multifacetada, quando os descendentes dos sócios também começam a chegar”, argumenta o presidente da JValério.

Sucessão bem-sucedida

No Grupo Educacional Opet o processo sucessório começou cedo, há aproximadamente 20 anos. As duas filhas do fundador já haviam ingressado na organização. Uma delas é Adriana Karam Koleski, hoje presidente da empresa. A executiva graduou-se em Pedagogia e Letras e possui um mestrado em Educação, o que demonstra seu interesse pela sala de aula e pela área de atuação da empresa que comanda. Ela também acumula em seu currículo formação na área de gestão, que aliada à experiência in loco por duas décadas no negócio familiar fundado pelo patriarca, lhe conferiram envergadura para atuar na liderança.

“Meu pai sempre deixou claro que gostaria que os filhos assumissem o negócio. Eu e minha irmã trabalhamos desde muito cedo no Grupo. Apenas a presença do meu irmão é mais recente. Hoje, nós três ocupamos posições estratégicas. O futuro, a sucessão, estavam em pauta há bastante tempo, desde que a governança corporativa foi implementada. Sempre tivemos a preocupação de proteger a organização em caso de surgimento de eventuais problemas, para que nada atrapalhasse os rumos do negócio”, conta Adriana.

A presidência foi ocupada por José Antonio Karam, até 2020, quando ele faleceu. Foi neste momento que Adriana Karam sentou-se na cadeira do pai e assumiu o comando da empresa, que possui mais de 40 anos de história e tradição.

Além dos irmãos, a mãe dela também é uma das acionistas do Grupo Educacional Opet e participa dos fóruns de discussão. Com a mudança da presidência a governança entrou em uma nossa fase e hoje um acordo de convivência entre os sócios, que possuem esse laço sanguíneo tão forte, é uma das pautas. “Nosso esforço é para que todos compreendam e desempenhem seu papel na empresa. A governança é importante, sobretudo, para manter as relações saudáveis nos âmbitos familiares e no ambiente dos negócios. Temos que nos beneficiar desta parceria”, diz a presidente do Grupo Educacional Opet.   

Separação dos papéis

Andrei Matzenbacher faz parte da 3ª geração do Grupo Jardim da Saudade, que é uma referência no segmento funerário, e concorda que na gestão das empresas com essa característica os membros da família precisam ter clareza quanto ao seu papel e, muitas vezes, isso significa deixar de lado os vínculos em prol da organização.

“Nas famílias empresárias os papéis se confundem muito. O carro e o motorista que é da família também é da empresa. Esses pequenos detalhes podem motivar conflitos. O que é prioridade: levar um documento para o advogado ou comprar frutas para o sócio? O primeiro passo para que uma empresa familiar prospere é aprender a separar os papéis do patrimônio, do gestor e da família”, argumenta Matzenbacher.

Foco nos resultados

A gestão feita pelos sócios e sucessores deve ser encarada com profissionalismo, como acontece nas empresas em que o negócio é comandado por alguém selecionado no mercado por conta das suas qualificações.  “Na empresa familiar o membro deve ocupar aquela cadeira em razão da sua competência, enquanto está apresentando bons resultados. Caso contrário, a substituição por outro profissional é um caminho viável. Quando a gestão não vai bem, pode sair muito caro decidir demitir o membro da família porque isso, inevitavelmente, vai afetar as relações familiares”, alerta Matzenbacher.

Ele acrescenta que os próprios proprietários da empresa precisam ter essa percepção para desenvolver novas lideranças. “Os sócios devem deixar o caminho livre para que as pessoas realmente consigam aprimorar suas competências. Precisam dar espaço para quem está na linha de frente, além de dar responsabilidades e oportunidades para profissionais que não são membros da família. Há que se considerar, num plano de sucessão, a passagem do bastão para alguém que não faz parte do núcleo familiar”, avalia Matzenbacher.

Legado

Eduardo Valério destaca que, num plano de sucessão, sucessor e sucessório têm a mesma prioridade. “Se olharmos apenas na ótica do sucessor, é como se estivéssemos vendo apenas o que está acima da superfície num iceberg. A parte submersa, que corresponde ao sucedido, também precisa de atenção especial. Afinal, foi ele que trouxe aquele negócio até ali. Toda a empresa, aliás, precisa se preparar para a transição, para o acolhimento a quem está saindo e a recepção de quem está chegando”, orienta Eduardo Valério.

A preparação dos sucessores, segundo Valério, é uma forma também de manter o legado do fundador e perpetuá-lo junto às próximas gerações que irão assumir a gestão. Nas famílias empresárias o legado é tão importante porque conecta o propósito do negócio aos princípios e valores da família e deve nortear a tomada de decisões dos sucessores – mesmo que eles não tenham vínculo familiar com o fundador.

Clodoaldo Oliveira acrescenta que a manutenção do legado, da tradição, é o que sustenta e diferencia as organizações familiares no mercado. “O legado une as realizações significativas de gestores de várias gerações. É parte vital da história das famílias empresárias e deve ser nutrido, protegido e preservado. Levá-lo adiante é uma responsabilidade muito grande dos sucessores”, finaliza.

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